O Brasil está entre os países que mais preocupam os cientistas que produziram o 2021 Production Gap Report (Relatório de Lacuna de Produção de 2021), que detalha as estratégias e os planos de governo para a produção de combustíveis fósseis em 15 dos principais centros produtores. O relatório mostra que os grandes produtores mundiais planejam produzir em 2030 mais do que o dobro da quantidade de combustíveis fósseis do que seria consistente para limitar o aquecimento global a 1,5°C, em linha com expectativas do Acordo de Paris, tratado mundial que tem o objetivo de reduzir o aquecimento global.
O documento traz análises de mais de 40 pesquisadores do mundo todo, sendo cinco da UFRJ, única universidade brasileira representada: Alexandre Szklo, Bruno Cunha, Fernanda Barbosa, Joana Portugal Pereira e Roberto Schaeffer, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe/UFRJ). O estudo foi produzido pelo Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo (SEI), Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), além de outras entidades.
O relatório mede a lacuna existente entre a produção de carvão, petróleo e gás natural planejada pelos países e os limites de produção globais que seriam necessários para o cumprimento do Acordo de Paris. A maior lacuna é a do carvão, cuja produção está prevista para ser aproximadamente 240% maior do que o recomendável em 2030. Em seguida, vem a do óleo cru, ultrapassando o limite em mais de 57% e, na sequência, a do gás, com 71% a mais do que seria consistente com a limitação do aquecimento global em 1,5°C.
A pesquisa aponta que o total do volume planejado pelos grandes produtores de combustíveis fósseis para 2030 acarretará na produção anual de 36 bilhões de toneladas de CO2: uma quantidade que supera o dobro das 17 bilhões de toneladas, que seria a quantidade máxima de emissões associada à queima de combustíveis fósseis, conforme o Acordo de Paris. Além do Brasil, fazem parte do grupo de grandes produtores: Austrália, Canadá, China, Alemanha, Índia, Indonésia, México, Noruega, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e Estados Unidos.
Expectativas do governo brasileiro em descompasso
De acordo com Roberto Schaeffer, o Brasil, que pretende dobrar sua produção de óleo e gás, acaba ficando em uma posição equiparável a dos Estados Unidos e Arábia Saudita, que também pretendem ampliar suas produções. Com isso, o principal foco de preocupação climática no país, o desmatamento, pode se tornar outro, entre 2030 e 2050, passando a ser a área de petróleo, gás natural e seus derivados. A expectativa do governo federal de produzir grandes volumes de petróleo compatíveis com suas novas reservas nos campos do pré-sal são conflitantes com a expectativa do mundo de poder consumi-lo. Essa é a análise do pesquisador.
Desde o início da pandemia de covid-19, os países do G20 direcionaram cerca de US$ 300 bilhões em novos fundos para atividades de combustíveis fósseis, de acordo com o relatório, mais do que o destinado para energia limpa. Além disso, diversos grandes produtores de carvão estão planejando continuar ou aumentar a produção para depois de 2030.
Transparência é fundamental
Os cientistas consideram que informações verificáveis e comparáveis, tanto de governos quanto de empresas, sobre a produção e o apoio a combustíveis fósseis são essenciais para lidar com a lacuna de produção. Os pesquisadores afirmam que os governos devem fortalecer a transparência, divulgando seus planos de produção nos documentos relacionados a seus compromissos climáticos para o Acordo de Paris. De acordo com eles, os governos têm um papel primordial: fechar a lacuna de produção de uma forma que garanta que a transição para o abandono dos combustíveis fósseis seja justa e equitativa.
“Os governos podem restringir a exploração e extração de combustíveis fósseis, eliminar gradualmente os subsídios aos produtores e as finanças públicas para projetos de combustíveis fósseis, e redirecionar o apoio para a descarbonização e para esforços de transição justa”, concluem os autores do relatório.