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Crianças e telas: uma nova configuração pandêmica

Especialistas e pesquisas mostram como a pandemia ajudou a aumentar o uso de telas por crianças e adolescentes

Em outubro, mês em que é celebrado o Dia das Crianças, comemora-se a infância, a pureza e as brincadeiras. Para os mais velhos, essas palavras são sinônimos de pique-pega, amarelinha e brinquedos como bola, pega-varetas e bolinha de gude, por exemplo. Já para as crianças e adolescentes de hoje em dia, no entanto, muitas dessas palavras podem ser desconhecidas, já que as telas − celulares, notebook, tablets e televisões − têm sido o destaque no entretenimento dos pequenos.

Com o isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus, os smartphones e tablets se tornaram ainda mais presentes no cotidiano das crianças menores. De acordo com levantamento realizado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, entre março e dezembro de 2020, o uso dessas ferramentas por crianças de 0 a 3 anos era de 15% e, com a pandemia, saltou para 59%. A nova rotina dentro das casas acabou afetando as organizações familiares que, em muitos casos, perderam suas redes de apoio no cuidado com as crianças, utilizando as telas para mantê-las ocupadas e entretidas.

Antes mesmo de a pandemia se iniciar, em fevereiro de 2020, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) havia publicado o Manual de Orientação #MenosTelas #MaisSaúde. O documento indica uma quantidade de horas-limite diante de telas para o melhor desenvolvimento das crianças e adolescentes, de acordo com cada faixa etária. O Manual recomenda, por exemplo, evitar qualquer contato com telas por crianças de até 2 anos, bem como limitar em uma hora por dia o consumo por crianças de 2 a 5 anos. Para aquelas entre 6 e 10 anos, o indicado é, no máximo, duas horas por dia. Para adolescentes entre 11 e 18 anos, o ideal é até três horas por dia.

Na prática, as telas têm sido presentes no processo de as crianças aprenderem a se relacionar com o mundo, mas não são suficientes, já que isso só acontece por meio do contato com outros seres humanos. É o que defende Beatriz Sancovschi, professora do Instituto de Psicologia da UFRJ. Na coordenação da pesquisa Crianças e telas digitais no contexto de isolamento durante a pandemia de covid-19: articulações performadas, em colaboração com a psicóloga e psicanalista Luciana Guilhon, ela acredita que o contato entre as crianças e as telas é discutido para se compreender se ele pode ser saudável.

“Do ponto de vista médico e biológico, existem muitas pesquisas que falam em prejuízos em relação à visão, ao sedentarismo, ao sono. Por outro lado, sobretudo no contexto da pandemia, o que se percebe é que a articulação das crianças com as telas trouxe a possibilidade de se reinventarem com o que estava disponível para elas”, explica Beatriz. Já Luciana acredita que é difícil medir um limite de horas, pois depende da rotina de cada família, mas entende que é importante oferecer uma variedade de atividades para elas.

Desenho de Artur Bérenger de Paula. Na época, com 8 anos.

Segundo Luciana, o problema na relação com as telas surge quando isso deixa de ser mais uma brincadeira para tomar o espaço da interação da criança com os outros humanos, sobretudo na faixa etária de constituição subjetiva, ou seja, de 0 a 3 anos. As consequências dessa substituição do contato humano podem aparecer como dificuldade no desenvolvimento da fala e de relacionamento, por exemplo, o que pode inclusive se confundir com autismo.

Para colaborar, a psicóloga indica que a família ofereça outras possibilidades de distração e aprendizado, fazendo-se presente nesses momentos.“É importante os pais tentarem estar disponíveis para a criança, no tempo que dá, mas tentar estar presente realmente. Ver um filme junto, ler um livro junto… Fazer atividades em que haja conexão, ainda que essa conexão seja com auxílio das telas”, conclui Luciana.

Este texto é resultado das atividades do projeto de extensão “Laboratório Conexão UFRJ: Jornalismo, Ciências e Cidadania” e teve a supervisão da jornalista Tassia Menezes.