Os recifes de corais, os ecossistemas marinhos com a maior biodiversidade, são considerados pelos cientistas como as florestas tropicais do oceano. Mas os recifes estão declinando em todo o mundo por causa da combinação fatal das mudanças climáticas e do uso descontrolado da zona costeira. No Brasil, a gradativa subtração da proteção legal e o descumprimento impune das normas existentes agravam o quadro.
Os maiores bancos de corais do Atlântico Sul, no sul da Bahia e norte do Espírito Santo, representados pelos bancos Royal-Charlotte e Abrolhos, estão sob pressão de atividades econômicas, que precisam ser revistas em benefício da atual e das futuras gerações.
Se a destruição da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal preocupa pela perda de biodiversidade e pelas alterações no provimento de chuvas e no equilíbrio climático, o mesmo vale para o patrimônio marinho do complexo de Abrolhos. Trata-se de uma parcela vital e estratégica da nossa Amazônia Azul, onde se localizam o primeiro parque nacional marinho do Brasil, três reservas extrativistas – Canavieiras, Corumbau e Cassurubá – e diversas outras unidades de conservação de enorme relevância.
Poluição
Com o rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG), em 2015, Abrolhos recebeu contaminantes oriundos dos rejeitos da mineradora. A lama sufocou a vida do Rio Doce, alcançou a costa e levou até o oceano os poluentes carreados ao longo do percurso.
A contaminação é vasta. Níveis anormais e preocupantes de zinco, arsênio, cádmio, cobalto e até mesmo de mercúrio têm sido encontrados em organismos marinhos. O efeito nos ecossistemas e na saúde humana, porém, ainda está por ser mensurado. Medidas abrangentes para mitigar a contaminação, bem como para restaurar e conservar estuários e recifes, precisam ser desencadeadas o quanto antes.
Sem estatísticas pesqueiras no país desde 2011, Abrolhos sofre há décadas com a gestão ineficiente da pesca. Espécies de alto valor econômico – garoupas, badejos, budiões – já sofrem declínio expressivo e estão saindo dos cardápios para figurar como espécies ameaçadas.
Além de serem a matriz de espécies econômicas importantes, os recifes são cruciais no balanço climático global. São construídos por organismos que incorporam grandes volumes de carbono em seu esqueleto, que servem como berçário de vida marinha.
Vida que, em Abrolhos, sofre com a operação de um terminal portuário para embarque de toras de eucalipto. As dragagens para a navegação de navios-barcaça intensificam a sedimentação nos recifes e causam prejuízos ao turismo e à pesca. Diante do gigantismo do setor de papel e celulose, as medidas de mitigação e compensação são tímidas.
Não bastasse a pressão crônica de setores econômicos, a indústria de petróleo e gás enxerga interesses na bacia de Camamu-Almada, na costa da Bahia, em área adjacente aos bancos coralíneos. Com produção já instalada, a região é considerada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) como nova fronteira para exploração de hidrocarbonetos. No certame da oferta deste ano, mais uma vez não houve empresas interessada nesses blocos. O risco, porém, não está afastado, pois seguem em oferta permanente.
A abertura de novos campos exploratórios em áreas extremamente sensíveis amplifica os riscos ambientais e sociais. Resguardar essas áreas não significa decretar o fim da indústria de óleo e gás, mas sim um movimento concreto de transição para energias renováveis. As fragilidades na prometida capacidade de resposta ficaram evidentes com o obscuro vazamento de óleo que assolou a costa brasileira no ano passado.
Em contraponto a opções econômicas imediatistas que distribuem passivos ambientais à sociedade, a biodiversidade marinha tem potencial biotecnológico bilionário. Antivirais poderosos e drogas promissoras contra a Aids e outras doenças derivam de organismos recifais. Tais ativos precisam que haja biodiversidade protegida e bem manejada, como pressupõem diversos acordos globais de que o Brasil é signatário.
Sucessivos desastres, escolhas setoriais e políticas econômicas destrutivas do meio ambiente solapam a economia extrativista que alimenta milhares de famílias que habitam e protegem os ecossistemas do sul da Bahia e do Espírito Santo. A pesca é estratégica para a bioeconomia marinha, mas não se pode esperar pelo milagre da multiplicação dos peixes. A atividade carece de ordenamento bem fundamentado para se dar de forma sustentável e justa.
Com uma costa imensa e relevante capacidade científica para transformar recursos naturais em benefícios para a sociedade, precisamos urgentemente rever a nossa relação com o oceano. Antes que seja tarde.
O texto foi publicado, inicialmente, no jornal O Estado de São Paulo (22/12).
Rodrigo Leão de Moura é professor do Instituto de Biologia, pesquisador associado ao Sage/Coppe (Núcleo Rogério Valle de Produção Sustentável) da UFRJ e coordenador do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração em Abrolhos, financiado pelo CNPq. Jaime Gesiky é especialista em políticas públicas do WWF-Brasil. Vinícius Nora é analista de conservação para oceanos do WWF-Brasil.