Categorias
Opinião

O puerpério e a saúde mental materna

Germinar, grupo de pesquisa do Campus Macaé, debate o tema pouco abordado no Setembro Amarelo

O puerpério, intervalo de tempo que se inicia com o nascimento e se estende até o 45° dia após o parto, é um período de adaptação à realidade marcado pelas transformações da maternidade. Além da série de mudanças fisiológicas e anatômicas que seguem a fase expulsiva e a dequitação (saída da placenta), como a involução uterina, a presença de lóquios (perda normal de sangue e outros tecidos que ocasiona corrimento vaginal) e alterações transitórias do humor, a puérpera precisa atender às necessidades de um recém-nascido, adequando-se a uma nova rotina de sono e de amamentação.

O cansaço extremo, a insegurança, o isolamento dos primeiros dias, possíveis dificuldades no processo de aleitamento e, principalmente, as oscilações hormonais associadas às emoções trazidas pelas novas experiências da maternidade estão entre os fatores que contribuem para o surgimento de alguns distúrbios psiquiátricos.

O baby blues, ou tristeza puerperal, é o transtorno mental mais comum durante o puerpério. Caracterizado por um curto período de oscilações emocionais, que geralmenteocorre entre o segundo e o quinto dias após o parto, o baby blues é uma instabilidade emocional que acomete cerca de 50 a 80% das mulheres.

Porém, apesar de ser muito frequente, ainda é subnotificado,pois  se relaciona essa condição apenas a uma dificuldade da puérpera em se adaptar à chegada do bebê, e não ao transtorno mental temporário associado ao pós-parto. Além das alterações hormonais, alguns fatores de risco, como antecedentes psiquiátricos, eventos estressores, gravidez não planejada, bebê que chora constantemente, dificuldade para amamentar e idealizações de um pós-parto perfeito, podem gerar uma carga emocional muito grande e aumentam a probabilidade de desenvolvimento do distúrbio.

Uma tristeza puerperal mais intensa e duradoura aumenta as chances da depressão pós-parto, um quadro clínico mais crônico e severo, e da psicose puerperal, grave transtorno mental em que a puérpera vivencia perturbações mentais de extrema intensidade.

O baby blues é frequentemente confundido com a depressão pós-parto. Além do tempo de duração, o que distingue tais transtornos é a intensidade dos sintomas. De modo geral, eles apresentam sintomas clínicos semelhantes aos da depressão em outros momentos da vida, porém, acrescidos das questões relativas à maternidade e ao papel de mãe, tais como: culpa por não conseguir cuidar do bebê, maior sensibilidade emocional e choro contínuo. O baby blues, no entanto, não atrapalha o funcionamento da vida da mulher, que, apesar de estar melancólica, consegue realizar suas atividades rotineiras. Nas condições de depressão pós-parto ou psicose puerperal isso nem sempre acontece.

Diferente dos outros distúrbios citados, a psicose puerperal provoca um afastamento da realidade. É um transtorno de humor psicótico e severo que pode acometer mulheres no fim da gravidez ou no puerpério. A mulher com psicose puerperal apresenta quadros de delírios ou alucinações, além de agitação e confusão mental; muitas vezes a puérpera pode não ser capaz de reconhecer seu bebê como filho ou como um bebê. A psicose puerperal é considerada uma emergência médica. Se não devidamente tratada, pode levar ao suicídio e/ou ao infanticídio. Não há dados concretos sobre sua prevalência no Brasil, mas alguns estudos apontam que a incidência dessa psicose seja de um caso em cada 1.000 partos.xa0

Assim como na maioria dos distúrbios e doenças, é necessário buscar acompanhamento clínico para uma abordagem adequada dos transtornos puerperais. Enquanto no baby blues a remissão, na maioria das vezes, é espontânea, na depressão pós-parto e na psicose puerperal é necessário apoio psicológico de profissionais e, por vezes, tratamentos medicamentosos.

Distúrbios puerperais não tratados podem trazer severos prejuízos na formação do vínculo afetivo entre mãe e bebê, além de inseguranças no que tange ao cuidado com a criança, o que pode afetar significativamente sua saúde.

Ter uma rede de apoio no período puerperal é fundamental. Cercar-se de amigos e familiares queridos em quem se possa confiar é de extrema importância para atravessar esse momento de forma mais serena, principalmente quando transtornos psicológicos se apresentam. A presença de pessoas a fim de auxiliar com os cuidados da casa, preparando refeições ou lavando as roupas, por exemplo, proporciona à mulher mais tempo para se dedicar às necessidades do bebê e à criação de vínculos afetivos profundos com o novo membro da família, sem precisar preocupar-se com as tarefas cotidianas.  

É de extrema importância também que o grupo de indivíduos que cerca a puérpera e convive com ela diariamente ofereça amparo, compreenda que essa mulher pode atravessar um período de adaptação desafiador e crie um ambiente acolhedor, de escuta ativa, sem comparações ou cobranças, no qual a mãe sinta liberdade para partilhar suas emoções sem ser julgada. É relevante que ela não seja deixada como única responsável pelos cuidados com o bebê, devendo estar sempre na companhia de alguém que possa assumir a atividade, se for necessário.

Obra expressionista que forma uma cabeça com galhos de árvores.
Cabeça explodindo | Obra: Salvador Dalí

Ações educacionais, quando realizadas durante o pré-natal, podem ajudar a gestante a se preparar para o período pós-parto e se conscientizar sobre os distúrbios puerperais que pode enfrentar. Abordar questões como as mudanças psicoemocionais que ocorrem durante o ciclo gravídico-puerperal, além da ocorrência de quadros como baby blues, depressão pós-parto e psicose puerperal, pode contribuir na luta pela prevenção do suicídio e dar visibilidade à discussão de transtornos psicológicos, um tabu em nossa sociedade.

Para as mulheres que enfrentam transtornos puerperais, é importante manter a calma e procurar ajuda. Converse com outras mulheres que enfrentaram ou enfrentam a mesma situação, partilhe suas percepções e sentimentos em ambientes que se sinta segura, acolhida; sobretudo, busque se julgar e se culpar menos. Com o auxílio de profissionais, a presença amorosa de familiares e amigos, incluindo a terapia medicamentosa, quando necessária. É possível superar essa fase desafiadora e encontrar seu próprio caminho seguro na “maternagem”.

Carla Cristina da Silva Sant’Ana, Kiara Rodrigues Heringer (acadêmicas de Enfermagem da Universidade Federal do Rio de Janeiro − Campus Macaé), Helene Nara Henriques Blanc, Milena Batista Carneiro e Taís Fontoura de Almeida (docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro − Campus Macaé), do Germinar− Grupo de Estudos em Reprodução e Nascimento