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Opinião

100 anos de compromisso social

Para Roberto Leher, UFRJ contribui para a formação de “cidadãos insubmissos” a partir da Ciência, da Arte, da Cultura e da Tecnologia

O Setor de Comunicação da Decania do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (Secom/CFCH) da UFRJ vem publicando uma série de artigos de opinião – escritos por docentes, técnicos administrativos, discentes e trabalhadores terceirizados – sobre o centenário da Universidade. Os textos apresentam as visões, experiências e saberes de quem contribui para que a UFRJ mantenha a sua excelência, produza conhecimento plural, diverso e democrático, apesar de todos os desafios impostos. A partir de hoje, replicamos aqui o Especial UFRJ 100 anos do Secom/CFCH. Confira!

A celebração dos 100 anos da UFRJ, em 7 de setembro de 2020, interpela o tempo, o protagonismo de seus sujeitos e seu compromisso social. É um convite para pensar passado, presente e futuro. A grandeza institucional da UFRJ de hoje não pode apagar sua história, a exemplo de suas transformações institucionais – Universidade do Rio de Janeiro (1920), Universidade do Brasil (1937), Universidade Federal do Rio de Janeiro (1965) e as grandes mudanças na estrutura acadêmica, como a dissolução da Faculdade Nacional de Filosofia – e o processo no qual, paulatinamente, de instituição conglomerada de escolas e faculdades, foi se constituindo como uma universidade com perfil próprio, estruturada com maior coesão e coerência.

Em seu curto, mas intenso século de existência, enfrentou dilemas, crises, mudanças organizacionais e demonstrou coragem em momentos decisivos para o futuro da universidade pública brasileira, como no período da ditadura empresarial-militar. A rememoração do passado, nesse sentido, adensa a força simbólica da instituição no presente, justamente em um tempo histórico no qual a sociedade democrática brasileira anseia por escutar suas vozes em prol da democracia, liberdade de cátedra, ciência, arte e tecnologia, em favor, em suma, da educação pública, do sistema de ciência e tecnologia e de todo o aparato de arte e cultura no porvir da nação, concebida, hodiernamente, como uma nação em que caibam todos os rostos humanos.

Em sua vivaz trajetória coexistiram – e coexistem – distintas temporalidades, como em um palimpsesto, em virtude de problemáticas científicas que exigem o método histórico, de formas de organização institucional que só podem ser compreendidas pela ciência da história e pela coexistência de diferentes camadas de memória apropriadas socialmente, nas quais sobressaem “nossos” grandes – docentes, estudantes e técnicos – que estão presentes em toda a universalidade de domínios do conhecimento, em todo o vasto território brasileiro: em todo o país encontramos profissionais, docentes e técnicos que atuam em outras instituições e realizaram a formação na nossa instituição. Eles reivindicam sua história. Seguramente, nesse século de existência, todos os dias, a UFRJ esteve presente na memória de pessoas motivadas por um agir ético, em um tribunal, em um hospital, em uma escola, em uma atividade artístico-cultural, nas análises políticas, econômicas, tecnológicas, motivadas pelos melhores anseios sobre o porvir dos povos.

Em razão do pequeno tamanho do presente texto, vejo-me forçado a não nomear estudantes, técnicos-administrativos e docentes que constituíram a história da ciência, tecnologia, arte e cultura no país e, desse modo, forjaram a universalidade de áreas do conhecimento da Universidade, instituindo mediações próprias que conformaram a vida universitária: seus setores técnicos, administrativos, departamentos, áreas de conhecimento, programas de pós-graduação, laboratórios, bibliotecas, grupos de pesquisa, hospitais e museus. Cheguei a ousar elencar muitas(os) de nossas(os) grandes. Afinal, como pensar a história de uma instituição sem nomear seus sujeitos? Logo concluí que seria um texto que não faria jus ao que foi (e é) o corpo social da UFRJ. Referências do passado e do presente estão imbricadas de modo tão indissolúvel que nem sequer seria possível nomear as gerações passadas sem fazer referência às gerações atuais (e vice-versa), tal a interconexão. Daí a opção, justa, por me reportar a todas(os) as(os) que forjaram, e forjam, cotidianamente os processos de formação complexa e sofisticada de nossos estudantes, as inventivas atividades de extensão e a originalidade de nossa produção científica que tornaram (e tornam!) a UFRJ a UFRJ!

A exemplo das demais instituições universitárias públicas, dos institutos públicos de pesquisa, dos aparatos de ciência e tecnologia, das instituições dedicadas à arte e à cultura, a UFRJ está diante de imensos desafios. São 7 anos de fortes perdas orçamentárias que encolheram criticamente os recursos de investimentos, as verbas para assistência estudantil e o montante disponível do FNDCT, repercutindo, negativamente, na Finep, no CNPq e, no âmbito do MEC negacionista, da Capes. Após 2019, além das restrições da Emenda Constitucional nº 95, as reduções orçamentárias passaram a ser motivadas, fortemente, pela “guerra cultural” contra a educação, ciência, arte e cultura expressa em projetos como o Future-se.

É preciso celebrar o fato de que a UFRJ representa, atualmente, muito melhor, a composição socioeconômica e racial brasileira. Essa mudança no perfil dos estudantes é uma das principais conquistas dos 100 anos de existência da instituição, um êxito social precioso que precisa ser mantido com fortes políticas estudantis e corajosas reflexões epistemológicas. As restrições orçamentárias, nesse sentido, são agravadas pelas ações ideologicamente motivadas, exigindo da comunidade um novo protagonismo, muito mais amplo e projetivo.

Motivos de confiança no futuro não faltam. Ao lado de outras instituições públicas, como a Fiocruz, a UFRJ assumiu magistral protagonismo científico e ético-político no enfrentamento da pandemia. Reconstrói, para um novo centenário, seu maravilhoso Museu Nacional, consolida seu Complexo de Formação de Professores, amplia o rol de seus novos campi, Macaé e Duque de Caxias. Além disso, cria bases inventivas em todos os campos do conhecimento − saúde, tecnologia, filosofia e ciências humanas, letras e artes, jurídico-econômico, matemática e demais ciências da natureza −, assim como em seu necessário parque tecnológico, nos imprescindíveis hospitais e, mais amplamente, no conjunto indissociável do ensino, da pesquisa e da extensão. Todas as realizações da instituição estão alicerçadas em um corpo de servidores e estudantes que carregam, em si, a história da UFRJ. Por isso, são organizadoras(es) da democracia e do bem viver! Inspira confiança no futuro, também, a trajetória de suas entidades representativas e a intensa e qualificada participação da comunidade universitária nas entidades que estruturam a resistência democrática no país, seja na sociedade política, seja na sociedade civil.

O Brasil celebra a sua Universidade, motivando-nos a mirar o futuro com confiança, coragem e disposição de construir projetos de nação, balizados por vontades nacionais-populares polifônicas, que não façam concessões ao nacionalismo chauvinista, mas que reconheçam que o dogmatismo do livre mercado é incapaz de assegurar trabalho digno, direitos humanos e igualdade social. A UFRJ não se furtou, nem se furtará de compartilhar anseios populares e de se empenhar, cotidianamente, para afirmar sua pertinência social com os problemas dos povos.

Professor Roberto Leher testa sistema de bicicletas compartilhadas Fundo Verde UFRJ
Professor Roberto testa bicicletas do Fundo Verde UFRJ | Foto: Diogo Vasconcellos (Coordcom/UFRJ)

*Roberto Leher é professor titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ. Foi reitor da UFRJ entre 2015 e 2019.