A incerteza nos cerca. Vivemos aflitos pela resolução dessa pandemia. E pensamos: até quando tudo seguirá? Quando voltaremos ao normal? Claro, vamos seguindo com novos hábitos, para nos mantermos seguros e saudáveis. Mas, com a possibilidade de retorno às aulas, temos perdido o sono: pais, professores, gestores de unidade escolar. Acordamos e passamos o dia em uma montanha-russa. As emoções se misturam em meio a tantas notícias e atualizações sobre as perdas pelo país.
Como professora da rede pública, tenho convicção de que a atividade remota não está alcançando a todos. Os profissionais se desdobram em aplicativos e redes sociais, não só pelos conteúdos, mas, principalmente, para trazer acolhimento. E, mesmo com esses esforços, não atingimos a totalidade dos alunos. Vários estudantes não têm acesso à internet. Vivemos essa angústia desde o início da pandemia.
No momento em que a saúde mental de todos está tão abalada, crianças e jovens sentem mais. Algo marcante para os alunos, por exemplo, é a falta de convívio com os amigos no ambiente escolar. É importante observar que, no contexto de escolas localizadas em regiões que são dominadas por facções ou milícias, muitos estudantes só se encontram ali, naquele ambiente neutro. A escola se torna o lugar da segurança e do acolhimento para eles, muito mais que um local de ensino e aprendizagem. Ela é também o espaço da alimentação adequada de todos os dias. Essa foi outra barreira para os alunos e para seus responsáveis – pois tudo isso se reflete na família. Ou seja, o ambiente escolar envolve questões que vão além dos “conteúdos”.
O contexto do retorno é complexo. O que passa despercebido para muitos é que o território onde a maior parte da clientela da rede pública vive não tem o “privilégio” do isolamento. Muitas famílias, se não trabalham, não recebem. São muitos os relatos de responsáveis que não conseguiram o auxílio emergencial. E isso coloca os pais no lugar de “arriscarem a vida dos seus filhos” em um ambiente sem estrutura sanitária, mas no qual eles podem confiar e as crianças e jovens podem comer.
Para pensar na volta às aulas, é preciso pensar na segurança de todos. Nos últimos dias, enquanto avaliávamos a possibilidade do retorno, ficou claro como as unidades escolares e seus gestores precisam pensar nas estratégias para seguir todas as normas técnicas sanitárias. Porém, quando olhamos para a realidade das unidades escolares, percebemos quanto tempo vivemos em ambientes com infraestrutura péssima e como nos “habituamos” a viver assim.
Isso talvez choque algumas pessoas que não pisam em uma escola, sobretudo pública, há anos. Mas a realidade é que muitas unidades funcionam com iluminação e ventilação péssimas, banheiros em condições similares ou piores que as instalações portáteis (isso mesmo que você pensou, aquelas que não queremos usar nunca). Ambientes (seja dos alunos, seja dos funcionários, é importante frisar), muitas vezes, sem torneiras (logo, sem água ou sabão) e sem portas ou janelas. Sem contar os refeitórios, que costumam ser pequenos, com mesa compartilhada para dez alunos ou mais.
Seria maravilhoso estudar e trabalhar em um ambiente arejado, que pudesse atender as especificações de higiene sempre! Locais amplos, onde os alunos tivessem espaço garantido, dentro e fora das salas. Mas, a realidade, em muitas escolas, é que as salas contam com mais de 45 alunos por turma, nessas condições aqui apresentadas.
E então me pergunto: como as escolas funcionam assim, ano após ano? E como seria o retorno nessas unidades? Será que fariam todos os ajustes necessários ou só “maquiariam” para evitar processos judiciais por negligência? Parece que precisamos de uma pandemia para olhar com mais cuidado para essa falta de estrutura das unidades de ensino.
Precisamos pensar em estratégias para lidar com os alunos no momento do retorno, atendendo suas demandas emocionais e psicológicas. Todos nós sairemos mudados dessa pandemia, não podemos voltar e fingir que não tivemos perdas − de familiares, amigos, emprego −, entre tantas outras questões. Além disso, devemos prever um rodízio, planejando a continuidade das atividades remotas para quem ficar em casa.
Nessa geração, com as tecnologias e todo o acesso à informação, com tanta conexão com TV, jogos, internet etc., as crianças e jovens já vivenciam a escola de forma bem diferente. A relação não é a mesma que era há duas ou três gerações. E, no contexto atual de pandemia, nós, educadores, precisamos repensar nossas estratégias, principalmente quando voltarmos ao encontro presencial. Isso porque teremos de lidar com muito mais acolhimento, para trabalhar o emocional deles e o nosso, afinal também estamos sentindo esse turbilhão. Inclusive para podermos nos reinventar como escola, comunidade e atores da sociedade, capazes de pensar no coletivo, buscando segurança e qualidade de vida para todos.
Sabemos o quanto precisamos do contato social para desenvolver nossas habilidades e competências. Contudo, precisamos manter em mente que, acima de conteúdo, precisamos nos preocupar com as nossas vidas!
*Gisele Costa é professora da Escola Municipal Brant Horta, terapeuta holística e co-criadora do projeto de extensão Comunicação, Educação e Reexistências, realizado em parceria com o Instituto Nutes/UFRJ.