“Quem canta seus males espanta” é aquela famosa frase popular que todo mundo já ouviu. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela tem sido encarada com a máxima seriedade por uma galera do bem. O Oficinas Musicais, um dos oito projetos que integram o Programa Interdisciplinar de Promoção da Saúde (Pips) da UFRJ no campus Macaé, junta gente de várias áreas do saber para encontros, antes presenciais e agora, devido à pandemia, virtuais, regados de muita cantoria, alegria, interação e cuidado.
Projeto de extensão cadastrado e aprovado no Sistema Integrado de Gestão Acadêmica (Siga) e no Sistema de Informação e Gestão de Projetos (Sigproj), o Oficinas Musicais pretende levar a música às mais diversas pessoas com os mais diversos problemas, sejam eles físicos ou emocionais. Por isso, Gunnar Taets, professor-adjunto da graduação em Enfermagem e professor colaborador do novo curso de graduação em Musicoterapia, ambos da UFRJ, resolveu continuar com o projeto mesmo durante a quarentena.
Coordenador do Oficinas Musicais desde 2016, Taets conta que, assim que as aulas da graduação da UFRJ foram suspensas por quinze dias, em 16/3, seu grupo permaneceu parado, acreditando que tudo fosse logo voltar ao normal. Porém, quando outro comunicado da Reitoria foi divulgado, no dia 23/3, dessa vez suspendendo as aulas por tempo indeterminado por causa da pandemia provocada pelo novo coronavírus, ele decidiu que não poderiam mais ficar esperando a quarentena terminar.
“Eu precisava fazer algo para ajudar não só os alunos da graduação, mas também a sociedade.”
Com o objetivo de estimular a aprendizagem e criatividade de crianças e adolescentes, o Oficinas Musicais surgiu em 2012, com a professora Leila Bergold, desenvolvendo estratégias para a promoção e educação em saúde por meio da música e de atividades lúdicas em escolas municipais de Macaé. Com Taets, desde 2018 os locais de realização das atividades foram ampliados e, em 2020, pode-se dizer que a maioria dos participantes do projeto de extensão vem da graduação de vários cursos da UFRJ em Macaé e no Rio de Janeiro, como Enfermagem, Medicina, Nutrição e Musicoterapia − como a cidade universitária de Macaé é composta ainda por outras duas Instituições de Ensino Superior (IES), uma particular e a Universidade Federal Fluminense (UFF), o Oficinas Musicais conta com alunos de graduação em Direito, Administração e Engenharia.
Antes da pandemia de COVID-19, Taets e seus colaboradores faziam visitas semanais também a casas de repouso e hospitais: “Eram visitas musicais a idosos residentes em um asilo em Macaé, especialmente aos acamados, impossibilitados de se locomover sozinhos e que passam 24 horas olhando para o teto, muitas vezes perdidos em suas próprias identidades como seres humanos, esquecidos, com Alzheimer ou demência senil e demais comorbidades”, explica o coordenador do projeto.
“Nos hospitais, as visitas musicais ocorriam pelos CTIs e pelo setor de enfermaria oncológica e de cuidados paliativos, onde o silêncio era interrompido por melodias cantadas ao vivo, escolhidas pelos próprios pacientes e familiares”, completa.
Com a pandemia, Taets diz que muita coisa mudou, mas as oficinas continuam, de outra forma: semanalmente, todas as quartas-feiras, das 17 às 18h30, o grupo se encontra on-line pelo Instagram do Oficinas Musicais. Também ensaiam pelo aplicativo Zoom. Readequando-se ao novo normal que a situação impõe, juntos eles têm procurado manter o projeto de extensão, tentando chegar àqueles que precisam de companhia e distração em suas próprias casas.
“Fomos tendo a participação de cidadãos de diversas cidades do país. Os próprios alunos do projeto estão em diferentes estados, isolados em suas casas. A música proporcionou essa aproximação. Trouxe de volta o aconchego do olhar e da voz. Mais recentemente, no mês de junho, passamos a utilizar também a plataforma Zoom para nossos ensaios virtuais do coral. Então, agora temos feito a primeira metade do encontro no Instagram e a segunda metade pelo Zoom”, declara o professor.
Uma das bolsistas mais antigas do grupo, Letícia Mendes, aluna de Enfermagem e Obstetrícia no campus Macaé, participa com afinco do projeto. Ela escolheu o Oficinas Musicais no primeiro semestre de 2018. Como desde pequena sempre foi muito ligada à música, no segundo período da graduação, na disciplina de Extensão Universitária Aplicada à Enfermagem, Letícia começou a fazer parte dos encontros.
No projeto já há quase três anos, a graduanda afirma que foi uma das melhores escolhas que fez. “Tenho grande paixão pela área das Práticas Integrativas e Complementares. O professor Gunnar, além de enfermeiro, também é musicoterapeuta, e eu sabia que seria uma ótima oportunidade, tanto para minha vida pessoal quanto para a acadêmica, estar vinculada ao projeto.”
Como bolsista da extensão, Letícia tem algumas funções específicas no grupo. Em condições normais de não pandemia, além de preparar o ambiente e fazer o acolhimento dos participantes, ela auxilia Taets com os eventos que fazem tanto no polo de Macaé quanto extramuros, além de ser responsável, quando necessário, pelas pastas que contêm as músicas dos ensaios.
“Cantar no hospital para os pacientes é um momento único. Para mim, é sempre como se fosse a primeira vez. Cada um ali carrega uma história sobre a qual não sabemos. Durante aproximadamente três minutos (duração média de uma música), a gente consegue se conectar. Fico muito grata em poder tornar o dia dos pacientes um pouco mais leve e trazer essa alegria, mesmo que seja por apenas alguns minutos, pois sei que isso gera resultados que impactam diretamente na recuperação deles. Isso sempre renova as minhas energias!”, comemora ela.
A estudante revela que, no ano passado, o grupo realizou uma pesquisa que visava avaliar os efeitos da atividade de canto coral sobre o estresse e o nível desse estresse, de ansiedade e depressão nos universitários participantes do projeto. “O resultado foi surpreendente. Pudemos ver, na prática científica, o quanto a música tem o poder de nos relaxar e trazer benefícios positivos à nossa saúde.”
Durante o período de isolamento social, a aluna tem sido responsável por auxiliar Taets na criação do ambiente virtual para reuniões, trabalha com a divulgação e confecciona os certificados de participação. Além disso, ela ainda produz o material visual e didático para alimentar as redes sociais e dar continuidade à extensão, com vídeos e dicas.
Taets conta que o projeto em formato remoto, no qual se canta de tudo, do ritmo mais popular ao clássico, vem dando certo. Para ele, como o mundo vive um período de medo e incertezas, tem-se percebido um crescimento dos sintomas de depressão e ansiedade. E, por ser um recurso de fácil acesso, estando constantemente no dia a dia das pessoas, a música revela-se uma maneira de aliviar tensões e, consequentemente, melhorar o bem-estar.
“Podemos constatar, pela experiência do próprio projeto de extensão realizado de forma virtual, que a música toca as áreas afetivas de quem a escuta ou canta. Relatos dos participantes do projeto descrevem esse poder terapêutico que a música tem de melhorar o humor, de amenizar tristezas e ansiedades, de se fazer próximo mesmo estando longe”, diz. “Talvez a música seja a linguagem universal para a comunicação entre os mais distintos povos.”
O Tempo Não Para, Codinome Beija-Flor, ambas de Cazuza, Como Uma Onda, de Lulu Santos, Simples Desejo, de Luciana Mello, Graveto, de Marília Mendonça, Eu Só Quero Um Xodó, de Luiz Gonzaga, e O Que É, O Que É, de Gonzaguinha, são apenas algumas canções do repertório do coral, que está à disposição de todos que sentirem que precisam de música na vida. O link para o Zoom fica disponível na descrição da bio do Instagram do Oficinas Musicais para livre acesso. Já as lives do grupo estão no IGTV do Instagram. Se alguém não conseguir participar ao vivo, ainda assim poderá ver os vídeos depois.
“Quanto mais pessoas forem tocadas pela música, melhor. Vamos espalhar esse amor, porque ‘a vida devia ser bem melhor, e será’”, recita Taets.