Na Bacia do Araripe (Ceará), viveu, há mais de 110 milhões de anos, uma fera carnívora com mais de 3 metros de altura e corpo emplumado. Uma parceria entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Universidade Regional do Cariri (Urca) e o Museu Nacional (MN/UFRJ) revelou, em 10/7, a descoberta do Aratasaurus museunacionali, dinossauro mais antigo encontrado na região.
O fóssil foi encontrado em 2008 em uma mina de gipsita por trabalhadores locais e enviado para o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, no Cariri. Apenas os ossos da pata direita foram preservados durante a coleta, mas é justamente nessa parte do corpo que os Aratasaurus carregam sua principal diferenciação: os dedos das patas. Embora à primeira vista pareça pouco, esses ossos guardam características anatômicas importantes para sua classificação e para entender como a espécie evoluiu.
Em seguida, diversas análises microscópicas de seus tecidos ósseos foram realizadas, como, por exemplo, uma microscopia eletrônica de varredura no intuito de obter a maior variedade de informações possíveis para reconstruir como seria esse animal em vida. As análises mostraram que o espécime era ainda jovem, podendo crescer ainda mais até a sua fase adulta.
A anatomia do fóssil encontrado, principalmente a dos dedos, indica que se trata de uma linhagem de dinossauro mais antiga do que a que deu origem aos tiranossaurídeos. Isso também é novidade, pois, embora a família tenha algumas figuras icônicas, como o Tyrannosaurus e o Velociraptor, pouco se sabe a respeito da origem desse grupo de famosos dinossauros.
Juliana Sayão, professora da UFPE, revelou a descoberta, enfatizando a importância do achado tanto para a região quanto para o estudo da paleontologia.
“O Aratasaurus aponta que parte dessa rica história pode estar no Nordeste do Brasil e na América do Sul. Sendo assim, ainda há muitas lacunas para desvendar esse quebra-cabeças evolutivo, mas com essa descoberta colocamos mais uma peça para entendê-lo”, ressaltou.
Em 2016, o fóssil foi levado para o Museu Nacional para que uma pequena parte fosse preparada em detalhe. “Deixar um exemplar como esse pronto para estudo requer cuidados especiais, tais como o uso de equipamentos e produtos adequados. Devido à fragilidade e grande importância do espécime, seu preparo requereu o uso constante de microscopia e de ferramentas de precisão”, explica o preparador de fósseis do MN, Helder de Paula Silva.
Do fogo ao Museu
O Aratasaurus museunacionalis carrega em seu nome de batismo uma grande simbologia. Ara e ata são termos derivados do tupi, uma das línguas originárias do Brasil, e significam, respectivamente, “nascido” e “fogo”. Já saurus vem do grego, “lagarto”, e é tradicionalmente utilizado na paleontologia. O “dinossauro nascido do fogo” recebeu, então, o sobrenome museunacionalis, que designa sua espécie.
Segundo Flaviana Lima, paleontóloga do Museu Plácido Cidade Nuvens, as condições climáticas da época e a variação de salinidade no paleolago local tornaram o ambiente mais árido, o que favoreceu a adaptação de plantas xeromórficas (adaptadas para clima árido ou com muita salinidade), como a Pseudofrenelopsis. “Além disso, pequenos fragmentos escuros de material lenhoso encontrados próximos ao Aratasaurus parecem estar relacionados com a ocorrência de paleoincêndios da vegetação, indicando que havia condições suficientemente secas para permitir a queima da vegetação que ali habitava.”
Durante o incêndio ocorrido no Museu Nacional em 2018, o fóssil não foi atingido. Alexander Kellner, diretor do MN, ressaltou que parcerias como essas já acontecem há décadas.
“Inclusive, ficamos muito felizes com a iniciativa dos demais autores em prestar essa homenagem a nossa instituição. O Museu Nacional vive!” completou Kellner, que também é colaborador do estudo.
Parente chinês
Entre os pesquisadores responsáveis pela descoberta está Xin Cheng, paleontólogo chinês que fez a conexão do Aratasaurus com uma linhagem irmã Zulong, um celurossauro do Jurássico da China. A descoberta mostra que os dinossauros dessa espécie estariam mais amplamente distribuídos pelo planeta e por um período de tempo maior. Kellner enfatizou que o fato abre uma lacuna ainda não compreendida pela paleontologia. “Mais de 45 milhões de anos separam o espécime brasileiro do chinês, além do distanciamento físico. Precisamos entender qual é essa ligação.”
Preservação do patrimônio e da ciência
Além de sua importância científica, o Aratasaurus ajudará a divulgar a paleontologia na região do Cariri. O fóssil está depositado no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, sua região natal. “Essa descoberta é um marco, pois será o primeiro fóssil de dinossauro depositado no museu, e espera-se, com isso, aumentar a visitação de áreas do Geopark Araripe” comemorou Álamo Saraiva, paleontólogo da Universidade Regional do Cariri.
Kellner destacou que a preservação do patrimônio no país e em seu local de origem auxilia na divulgação científica e na compreensão da importância da pesquisa. “Continuamos trabalhando. A ciência no Brasil continua trabalhando. Essa descoberta é importante pois une pessoas de diferentes instituições para falar sobre a ciência no país”.