Eles foram os primeiros a serem afastados do trabalho presencial e, possivelmente, serão os últimos a regressar. Como a pandemia de COVID-19 impacta – e impactará – a vida dos brasileiros com mais de 60 anos? A pesquisadora do Instituto Luiz Alberto Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), Márcia Tavares, especialista em gestão da longevidade e diversidade etária, destaca que o cenário atual reforça a vulnerabilidade desses profissionais, mas aponta caminhos para a inovação.
Os trabalhadores idosos constituem o grupo de risco com maior mortalidade pela COVID-19, resultado da associação do coronavírus a doenças preexistentes típicas da idade avançada. “Mas o bem-estar desses trabalhadores não é ameaçado apenas pelo vírus – o que, por si só, já seria bastante assustador. A saúde física e mental também está sendo prejudicada pela falta de exercícios físicos e atividades cognitivas e, até mesmo, pela impossibilidade de manter as consultas médicas, exames e tratamentos. Somam-se a isso questões emocionais, como medo, solidão e depressão”, lembra Márcia.
A vulnerabilidade desse contingente de trabalhadores também está relacionada a um segundo aspecto: a insegurança financeira. Umxa0estudo recente,xa0conduzido pelo Laboratório do Futuro, da Coppe, estimou que até 6,7 milhões de trabalhadores formais perderiam seus empregos em função da pandemia da COVID-19. Preocupada com os idosos, Márcia Tavares pediu aos pesquisadores um levantamento sobre a vulnerabilidade dessa faixa etária, e foi constatado que 1,2 milhão de trabalhadores com 50 anos ou mais – o que representa 18% do total – tinham grande probabilidade de serem dispensados.
“Apesar do pacote de ajuda do governo, é esperado um número expressivo de demissões no país. No entanto, para os trabalhadores com mais de 60 anos, o preconceito pode fazer com que a idade ganhe ainda mais força como critério para demissão, sobrepondo-se ao histórico de desempenho e potencialidades do trabalhador”, lamenta Márcia.
Além dos mitos acerca da produtividade, “o trabalho flexível e remoto é um modelo novo para grande parte desse contingente de trabalhadores, que construiu sua carreira nos moldes do trabalho presencial. A transição é perfeitamente possível, mas demanda algum tempo de adaptação, estratégia e suporte das organizações”, explica a aluna do Programa de Engenharia da Produção da Coppe.
Em outros países, o risco de desemprego também tem sido maior para os sexagenários. Um estudo do Centre for Aging Better alertou que a crise da COVID-19 pode levar uma geração de pessoas entre 50 e 60 anos a se aposentar com sérios problemas de saúde e sem dinheiro suficiente para se sustentar.
No entanto, segundo a doutoranda, “a boa notícia é que, em contrapartida, há movimentos gratuitos de capacitação para esses profissionais e, até mesmo, iniciativas de contratação de profissionais com mais de 50 anos, a exemplo de empresas do setor financeiro que desejam oferecer consultoria com alto nível de experiência aos seus clientes”.
“Parte do que está por vir vai depender da empresa. Se está presa a ideias anacrônicas sobre os trabalhadores com mais de 60 ou se já notou que um bom caminho para a retomada é contar com profissionais experientes, resilientes e leais à marca. Mas também é importante que esses profissionais aproveitem o período para se dedicar ao aperfeiçoamento e desenvolvimento de competências”, ponderou.
Márcia aponta a necessidade crescente de os profissionais de Recursos Humanos desenvolverem as competências necessárias para gerenciar a diversidade etária dos colaboradores. “Ter uma visão contemporânea sobre a carreira mais longa e conhecer o perfil dos seus colaboradores com mais de 50, incluindo motivações, expectativas, projeto de vida e trabalho, irão conduzir a empresa a decisões mais igualitárias, assertivas e, quiçá, inovadoras neste momento”, explica.
Subterfúgio contra a finitude
Para Márcia, uma das formas pelas quais os trabalhadores mais experientes podem ressignificar este momento de isolamento social é com o trabalho voluntário. Notando a dificuldade de acesso das pessoas mais pobres aos meios adequados para se protegerem, a aluna da Coppe fez uma parceria em família para ajudar quem mais precisa.
Márcia e sua mãe, dona Adélia Tavares, costuraram cerca de 600 máscaras, que foram distribuídas nos municípios de Mesquita e Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e também para os idosos hospedados na instituição de longa permanência Casa de Repouso Guaratiba. “Foi uma troca intergeracional. Eu aprendi a costurar e ela aprendeu o conceito de uma linha de produção e, em especial, a higienizar corretamente o tecido e o local de trabalho, cortar e costurar grandes quantidades, armazenar e embalar”.
“Estar ativo é se sentir vivo. É um fenômeno psicológico. Ao se aposentar, a pessoa idosa perde as conexões, o contato com clientes, colegas e fornecedores. O trabalho voluntário não aufere renda, mas resgata no idoso o sentimento de pertencer a uma comunidade e a sensação de utilidade. É um subterfúgio contra a finitude da vida”, conclui Márcia.