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Documentário Resgates vai ao subúrbio

Quinta-feira, 26 de setembro, 19h. Debaixo de chuva, um grupo se reuniu na Lona Cultural João Bosco, em Vista Alegre, na Zona Norte do Rio de Janeiro, para mais uma sessão do cineclube Subúrbio em Transe. Há 12 anos em funcionamento, o cineclube realiza um encontro por mês no espaço, sempre às quintas-feiras, buscando exibir filmes cuja temática dialogue, direta ou indiretamente, com as questões urbanas e a realidade local. Naquela noite, a atração foi o documentário Resgates, uma produção da Coordenadoria de Comunicação Social (Coordcom) da UFRJ.

Com duração de 38 minutos, Resgates percorre as ruínas do Palácio Imperial de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, retoma o episódio do incêndio que atingiu o local em setembro de 2018 e apresenta ao público o depoimento de 18 pessoas que trabalham no Museu Nacional (MN). Essas pessoas integram o Núcleo de Resgate de Acervos Científicos, criado logo após a tragédia com a finalidade de recuperar as peças que ficaram sob os escombros. O filme entrelaça os sentimentos, traumas e sonhos de cada uma delas com um debate amplo sobre o papel social e as perspectivas da maior casa de ciência da América Latina.

Lançado no dia 19 de setembro pela WebTV UFRJ, Resgates chegou a Vista Alegre por iniciativa de Lucas Bártolo, morador do bairro e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/MN). Ao assistir a uma prévia do filme no início de setembro, ele percebeu que a temática poderia interessar aos frequentadores da Lona Cultural. “Pensei que seria ótimo que esse filme fosse exibido no cineclube Subúrbio em Transe, por toda a integração que o MN tem com a Zona Norte do Rio de Janeiro. E isso também está posto no documentário. Assim, imaginei que ele tocaria, que falaria com a memória e a identidade do público”, declarou.

Filme Resgates exibido pelo computador
Resgates está disponível na WebTV UFRJ. Foto: Artur Moês (Coordcom/UFRJ)

Lucas estava certo. Após a exibição do filme, Luiz Claudio Mota Lima, diretor do cineclube, destacou: “É muito importante trazer o debate para o subúrbio. E a primeira fala do filme é justamente valorizando o subúrbio. A gente fica feliz”. Luiz Claudio fez referência ao depoimento da paleontóloga Luciana Carvalho que, por volta dos dois minutos, diz: “Eu sou carioca do subúrbio. Eu moro no subúrbio. Sempre morei no subúrbio. E aqui, a Quinta da Boa Vista, para quem mora na Zona Norte, era o nosso quintal. Era onde a gente passava o final de semana, fazia piquenique com a família. E, estando aqui, o que a gente fazia? Zoológico ou Museu Nacional”.

Entre o presente e o futuro

Após a sessão, o debate contou com a participação de Zhai Sichen, diretor e roteirista do documentário; Bárbara Maciel, responsável pela equipe de triagem do Núcleo de Resgate; e Valéria Silva, coordenadora de Extensão Universitária do MN. Zhai destacou que seu principal objetivo, com a produção, foi dar visibilidade a quem estava por trás da reconstrução. “Uma das coisas principais que eu tinha em mente era mostrar para as pessoas que estavam no resgate a importância do seu próprio trabalho. Às vezes, participamos de algo que não temos a dimensão do que se tornará”, explicou.

Uma das personagens do filme, Bárbara falou sobre a formação do Núcleo de Resgate e dos resultados alcançados até o momento. “As pessoas se preocupam muito com números e com contabilidade, com a quantidade de coisas que a gente tirou do Palácio etc. A gente tem o número de registro, mas um número de registro pode considerar 100 peças, 300 peças. Não temos um número exato, masxa0tem sido mais do que a gente imaginou”, avaliou. Ela, que a princípio não queria conceder entrevista à equipe do documentário, logo se tornou uma das principais colaboradoras. “A gente se sente útil sabendo que está ajudando numa fase difícil do Museu”, completou.

Retrato de Zhai Sichen
Para Zhai Sichen, diretor do filme, um dos objetivos era valorizar o trabalho do Núcleo de Resgate. Foto: Artur Moês

Valéria, coordenadora de extensão do MN, destacou como a sociedade tem sido solidária com a instituição. Suas contas são de milhares de e-mails de cidadãos de todas as partes do país oferecendo voluntariado, quase 200 instituições de todo o mundo ofertando apoio e 680 alunos da UFRJ inscritos em uma seleção com dez vagas para extensionistas do projeto Museu Nacional Vive. Em sua interpretação, esse retorno é importante para que o MN avalie como deve ser a sua retomada. “Devemos pensar que Museu queremos daqui para frente. Como vamos ocupar esse espaço?”, questionou.

“Uma história-fênix”

O público daquela sessão foi composto, basicamente, por moradores de Vista Alegre e trabalhadores da UFRJ. Ao tomarem a palavra, as pessoas intercalaram suas impressões sobre o filme com relatos de sua relação com a instituição. Lucas lembrou que estava exatamente na Lona Cultural no momento do incêndio. “Era o primeiro domingo do mês e eu estava na roda de samba”, contou. E atribuiu ao filme a proeza de ajudar a todos a reelaborar a tristeza. “É uma devolutiva, é uma reconciliação, mas é para todos nós”, acrescentou.

Ele deu o exemplo de seu pai, que é taxista, e que nos dias que sucederam ao incêndio ouviu muito em seu veículo que “a história do Brasil havia acabado”. Com o documentário, em sua visão, outras narrativas são possíveis. “O filme circular significa mostrar para a sociedade que a história não acabou”, definiu.

Três mulheres sentadas sorriem, durante o debate no cineclube Subúrbio em Transe
Valéria (esquerda) e Bárbara (centro) conversaram com os integrantes do cineclube. Foto: Artur Moês

Para Tânia Maciel, mãe de Bárbara, que é professora da rede básica de ensino, a obra será um instrumento para discutir questões sobre educação, ciência e cultura em sala de aula. “É um documentário que informa, mas que é costurado pelo sentimento. Toda essa história é uma história-fênix”, finalizou, emocionada, fazendo menção à ave mitológica que renasce das próprias cinzas.

Museu Nacional, um lugar feito de gente

O Museu Nacional é a casa de ciência mais antiga do país e uma das maiores da América Latina. Foi criado em 1818, por Dom João VI, como Museu Real e sediado no Campo de Santana até 1892, quando foi transferido para a Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão. Em 1946, foi incorporado à Universidade do Brasil e, atualmente, está vinculado ao Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ. Trabalham na instituição 89 docentes, 215 técnicos administrativos, 500 estudantes e aproximadamente 100 terceirizados.

Na edição de dezembro de 2018, o Conexão UFRJ publicou uma reportagem em profundidade, dando ênfase a oito trajetórias de vida que integram a instituição. Articulando relatos íntimos e profissionais, a reportagem foi o primeiro trabalho da Coordcom a retomar os impactos do incêndio na vida das pessoas, valorizando o papel que cada uma desempenha em sua área de atuação. No mesmo número, fizemos um balanço do acervo recuperado até aquele momento e apresentamos pesquisa inédita que digitalizou imagens de povos indígenas já extintos, feitas pelo etnólogo pioneiro Kurt Nimuendajú no início do século XX.

Um grupo de pessoas conversa no jardim do Horto Botânico do Museu Nacional
Imagem captada durante aula realizada no Horto Botânico do Museu Nacional. Foto: Raphael Pizzino (Coordcom/UFRJ)