Em 2018, mais de 8 mil incêndios atingiram uma das regiões mais ricas do mundo, a Califórnia. Atualmente, 20% da Floresta Amazônica estão desmatados. Até o fim do século, o planeta vai esquentar em pelo menos 2°C. Acontecimentos assim comprovam a importância de debater as mudanças climáticas e propor ações para contorná-las.
Com essa intenção, pesquisadores, estudantes e especialistas da área ambiental se reuniram na última segunda, 12/08, na aula inaugural do Ciclo de Debates Desastres e Mudanças Climáticas: Construindo Uma Agenda, que vai até novembro. O projeto é uma iniciativa do Colégio Brasileiro de Altos Estudos (Cbae), órgão vinculado ao Fórum de Ciência e Cultura (FCC). A aula foi realizada no auditório Pedro Calmon, no campus da Praia Vermelha, e reuniu cerca de 250 pessoas. “Em tempos de negacionismo institucional e ataques à ciência e à universidade, é fundamental que a UFRJ tenha uma agenda para o tema da emergência climática”, alertou Tatiana Roque, coordenadora do FCC. Com formato interdisciplinar, o curso tem como objetivos integrar as pesquisas sobre a temática e propor uma agenda consistente para enfrentar as questões. Mais do que nunca, o envolvimento do Brasil com a pauta é estratégico, segundo Suzana Kahn, vice-diretora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU). “Pode ser uma grande oportunidade para o Brasil se tornar uma liderança mundial numa economia de baixo carbono”, explicou a pesquisadora, reiterando que reduzir a emissão de CO2 é atualmente uma obrigação mundial.
Nesse sentido, o Brasil larga na frente de muitos países por possuir uma variedade incomum em termos de matrizes energéticas disponíveis. Por outro lado, está entre os que têm maior risco de serem afetados pelas mudanças climáticas, como a elevação no nível dos oceanos e o aumento de temperatura. A partir de dados do IPCC e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCC), Kahn mostrou ao público que as estratégias adotadas pelo governo federal vão na contramão do que as pesquisas indicam. “O que está faltando é investimento em ciência e tecnologia. Recursos naturais nós temos”.
Hoje 20% do território da Floresta Amazônica estão desmatados. Estudos mais recentes apontam que se os 25% forem alcançados, a floresta estará condenada a desaparecer. Os dados apresentados pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro demonstram a gravidade do problema e sinalizam o que o pesquisador do Museu Nacional define como “estado de emergência climática”, situação na qual “a vida está em perigo imediato, sendo necessário tomar providências urgentes”, explica.
Segundo Viveiros de Castro, reconhecido pelo trabalho desenvolvido com sociedades tradicionais no Brasil, os estudos sobre o desmatamento evidenciam de modo suficiente que medidas devem ser tomadas. O desafio está em definir como realizá-las na prática, não apenas em termos técnicos, mas principalmente éticos.
Além das ações indicadas por Kahn, como a contenção do desmatamento, o pesquisador sustentou a prioridade de uma mudança radical de visão, em que questões políticas e ambientais não sejam discutidas separadamente, pois estão essencialmente ligadas. “Não existe capitalismo sustentável. Ele é por si só ecocida”, sinalizou. Assim, seria preciso deixar de considerar o mercado como espécie de segunda natureza, atentando ao fato de que “há vida fora do capitalismo”, lembrou.
Para o jornalista, professor e ambientalista André Trigueiro, ainda que possam ser rediscutidas, “as rotas já foram estabelecidas” em iniciativas como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e o Acordo de Paris, propostos pela ONU, ou, ainda, a Carta Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco.
Segundo Trigueiro, é necessário ser mais estratégico na comunicação do problema à sociedade. “Devemos ter a precisão dos termos. O que houve em Mariana não foi uma tragédia. Não existe a tragédia de Mariana, existe o crime da Vale em Mariana”, ponderou. Para ele, a academia deve se aproximar da sociedade e descobrir “onde não está conseguindo se comunicar bem”. Nesse sentido, o ambientalista mencionou a relevância da UFRJ na elaboração de “propostas viáveis e mobilizadoras, capazes de alcançar diferentes segmentos da sociedade”.
A Reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, reforçou o protagonismo da UFRJ. “O negacionismo precisa ser combatido e a academia tem que fazer isso. Não vamos mais nos encastelar e fugir dessa luta”, assegurou a reitora.
Mais informações sobre a aula inaugural e a programação completa do curso estão no site do Fórum de Ciência e Cultura. Clique aqui e confira.