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Para compreender a Petrobras

O panorama internacional da indústria do petróleo demonstra que tanto as empresas estatais como as empresas privadas estão se tornando empreendimentos integrados, englobando não somente os ramos de atividade petrolífera de exploração e produção e seus derivados do “poço ao posto”. A verticalização e a diversificação de seus negócios extrapolam o setor de petróleo e envolvem um sem número de novas fronteiras de expansão.

Basta olhar para as inúmeras teses e artigos sobre o perfil das grandes companhias petrolíferas que fazem parte do seleto clube das chamadas “irmãs do petróleo” (como a Shell e a British Petroleum) para constatar que a verticalização e a oligopolização fizeram com que poucas grandes empresas dominassem o mercado mundial, integrando o upstream (exploração e produção), downstream (refino transporte e distribuição) e a capacidade de autofinanciamento dos seus novos investimentos.

O petróleo não é uma commodity qualquer. Trata-se de uma riqueza estratégica e ainda dificilmente substituível. Para se ter uma ideia, relembre-se que em 2010 o consumo mundial era de 85,71 milhões de barris/dia, e a estimativa é que para 2035 a demanda seja de 109,7 milhões de barris/dia (OPEP, 2011). Segundo dados da Petroleum Intelligence Weekly, em 2020 o petróleo responderá por 32% da demanda mundial de energia.

A Petrobras caminha para estar ao lado do seleto clube mundial das grandes petrolíferas, uma vez que já está posta a base de infraestrutura para a sua sustentação. Em outras palavras, a empresa é desenvolvedora de uma complexa e intrincada rede de extração e produção de petróleo e do desenvolvimento de novas frentes tecnológicas, combinadas ao enorme impacto de suas reservas representadas agora pelo pré-sal.

A descoberta do pré-sal é considerada um dos grandes acontecimentos na indústria mundial do petróleo. Além disto, em 2014, a Petroleum Intelligence Weekly listou o ranking das 50 maiores petrolíferas do mundo, a Petrobras ocupou o 12º lugar.

Uma demonstração desses avanços tecnológicos proporcionados pela Petrobras reside na superação e transposição de desafios tecnológicos impostos pela necessidade de produção de petróleo e gás em águas profundas (primeira em tecnologia de águas profundas e a única empresa de petróleo com mais de 30 anos nessa atividade) e, recentemente, em águas ultraprofundas. A conquista dessa nova fronteira tecnológica motivou avanços antes inimagináveis nas áreas de exploração e produção com estruturas offshore também nunca antes construídas.

O desdobramento de atividades da estatal ganhou novas frentes de pesquisa e desenvolvimento, por meio da química fina e da biotecnologia, no desenvolvimento de toda a gama de possibilidades de produção de energia limpa (solar, eólica e biomassa – biocombustíveis) e suas tecnologias (bicombustíveis) e no desenvolvimento sustentável de novos materiais.

O desenvolvimento dessas tecnologias é realizado no CENPES (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello), que concentra os cientistas responsáveis pelas pesquisas de novas frentes tecnológicas nas áreas do óleo, gás natural e energia. Até 10 de abril de 2016, a Petrobras havia depositado 1.521 patentes na base do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) do Brasil e 261 na base da USPTO (United States Patent and Trademark Office) dos Estados Unidos.

Trata-se da maior empresa de desenvolvimento tecnológico do país. Os números dizem ainda mais: são 122 plataformas (64 fixas e 58 flutuantes), investimentos de R$ 76,3 bilhões e lucro líquido de R$ 34,8 bilhões.

O desenvolvimento de tecnologias para a exploração e produção de petróleo, em águas profundas e ultraprofundas, bem como seu refino e obtenção dos derivados, são tarefa complexa. Não somente porque demandam novas soluções e capacidades ligadas diretamente a conhecimentos específicos e transdisciplinares voltados à indústria do petróleo, mas também, por um conjunto de características políticas e econômicas que foram construídas ao longo do tempo e desdobradas a partir de uma nova infraestrutura de conhecimento (a exemplo das universidades públicas), que foram implementadas no país, e que forneceram a base de conhecimento para a viabilização de toda uma cadeia industrial produtiva a partir da formação das redes tecnológicas.

Agora, com a exploração do pré-sal, essa base de conhecimento se expande na mesma medida em que se expandem os avanços dessa nova frente tecnológica.

A estatal percorreu um longo caminho no plano político-econômico e técnico-científico para alcançar a posição que ocupa. Para entender a formação dessa base de conhecimento na área petrolífera do Brasil é preciso recuar no tempo, até 1939, quando, em Lobato, nos arredores da cidade de Salvador, um afloramento de petróleo chamou a atenção do país.

Dois anos depois, a alguns quilômetros dali, o que ainda era uma aposta jorrou de um poço em Candeias às margens da Bahia de Todos os Santos. Esses acontecimentos fizeram nascer um forte apelo popular que deram origem à campanha “o petróleo é nosso” que, anos mais tarde, em 1953, no governo de Getúlio Vargas, resultou na criação da Petrobras, e de toda uma estrutura de ciência e tecnologia que nascera junto com ela.

Além da expansão e consolidação de cursos nas universidades públicas para formar engenheiros e técnicos nessas áreas, como a Coppe-UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia/Universidade Federal do Rio de Janeiro), também foram criados incentivos e financiamentos através do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisas) e a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

A criação do CENPES se deu em 1968 (consolidou-se como o maior centro de pesquisas da América Latina) com o objetivo de atender às demandas tecnológicas. Esses são apenas alguns de muitos exemplos que foram construídos ao longo do tempo e que transformaram diversos setores da economia em consequência do desenvolvimento da cadeia industrial do petróleo no Brasil.

Portanto, esses mais de 60 anos precedentes de pesquisa e desenvolvimento – resultado de um processo cumulativo de desenvolvimento científico e tecnológico construído ao longo do tempo – nos deixam uma lição: é preciso olhar para o que está por trás da crise política em curso no país, ou seja, o interesse de uma minoria que deseja a todo custo privatizar a Petrobras.

* Carolina Silveira Bueno – pesquisadora do Núcleo de Economia Agrícola e do Meio Ambiente da Unicamp e doutoranda do Instituto de Economia da Unicamp