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Crack: um panorama do problema no Brasil

As recentes ações de combate às cracolândias do atual prefeito da cidade de São Paulo, João Dória, trouxeram à tona o debate antes adormecido acerca do problema das drogas, especialmente do crack, no Brasil. A droga barata e de fácil acesso tem se alastrado principalmente pelos grandes centros urbanos do país e tornado milhares de pessoas dependentes. Segundo dados da Fiocruz, são cerca de 370 mil usuários regulares do entorpecente espalhados por todas as capitais.

Abordar a questão, entretanto, ainda é tabu em nossa sociedade e suscita muito preconceito pela falta de informação. A história do crack é curta, porém os motivos que permitiram sua rápida e devastadora disseminação são extensos.

Um breve histórico da droga

Pesquisadores acreditam que o crack tenha surgido em meados da década de 1980, nos bairros pobres dos centros de Nova Iorque, Los Angeles e Miami. Especula-se que a entrada do entorpecente no Brasil tenha ocorrido através do Acre, vindo da Bolívia e do Peru por volta de 1989. Em 1990, foi realizada a primeira apreensão da droga no município de São Paulo, registrada nos arquivos da Divisão de Investigação sobre Entorpecentes (DISE).

Derivado da cocaína, o crack possui um enorme potencial de dependência devido à velocidade de sua absorção pelo organismo humano. Apenas 15 segundos são necessários para o vapor inalado chegar aos pulmões, cair na corrente sanguínea e atingir o sistema nervoso. Os efeitos são efêmeros e intensos, o que provoca no usuário a necessidade de buscar pela sensação cada vez mais frequentemente.

Marcelo Cruz, psiquiatra e coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad), vinculado ao Instituto de Psiquiatria (Ipub) da UFRJ, explica que o efeito forte e rápido da droga aliado ao baixo custo propiciaram sua intensa disseminação, principalmente entre as populações marginalizadas socialmente.

“O crack tem ocupado o espaço que outras drogas como a cola de sapateiro, éter e até o próprio álcool ocupavam anteriormente. Dessa forma, os usuários que consumiam essas substâncias, geralmente pessoas muito pobres e até mesmo em situação de rua, passaram a fazer uso do crack por ser uma droga barata e com alto potencial de dependência”, afirmou o especialista.

Foto de Marcelo Cruz, coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas da UFRJ
Marcelo Cruz, coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas da UFRJ Foto: Diogo Vasconcellos (Coordcom/UFRJ)

Crack e desigualdade social

Ao contrário do que o senso comum pensa, o crack não é a causa da exclusão social, e sim sua consequência. As pessoas que fazem uso do entorpecente, em geral, já se encontravam em situação de extrema vulnerabilidade social anteriormente. A maior parte delas não possuía estudo, trabalho, moradia ou laços familiares, fatos que favoreciam o contato com a droga e, assim, o agravamento dos seus problemas.

Isso foi o que apontou a pesquisa encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) em 2014. O estudo traçou o perfil dos usuários da droga e mostrou que 80% deles são homens negros que não chegaram nem ao ensino médio, características que são anteriores ao uso do crack por esse grupo social. Além disso, 40% vivem em situação de rua e 49% já passaram pelo sistema prisional.

“Existe uma quantidade enorme de pessoas que já viviam em condições de miséria e de grande vulnerabilidade social e que passaram a usar o crack como uma forma de aliviar seus sofrimentos. Esse fato agravou as condições de vida, que já eram muito ruins, dessas pessoas. Então, o que acontece no Brasil é que o uso do crack está se concentrando nas populações mais pobres da sociedade. Em sua maioria, são homens, negros, desempregados e com pouquíssimo acesso aos serviços sociais de saúde”, explicou Cruz.

Políticas públicas ainda são incipientes

Frente ao que tem sido feito pela atual gestão da prefeitura de São Paulo para combater o crack, especialistas afirmam que as melhores medidas a serem tomadas para minorar o problema estão no campo da assistência social e do acesso aos serviços públicos de saúde.

“Essa forma adotada pelo prefeito de São Paulo de enfrentar a questão do crack é totalmente equivocada porque tentar resolver o problema por meio de medidas que são uma espécie de higiene social e foram tentadas no Brasil e em outros países não funciona. O que funciona é levar serviços de saúde e reintegração social para essas pessoas, fugindo da reabilitação compulsória”, defendeu o coordenador do Projad.

Há alguns programas de assistência social e saúde sendo oferecidos aos usuários de crack e outras drogas no Brasil. Os principais são osxa0Centros de Atenção Psicossocial a Usuários de Álcool e Outras Drogasxa0os Consultórios na Rua e as Unidades de Acolhimento. Todos esses dispositivos visam a acolher e amparar os dependentes em situação de vulnerabilidade de acordo com suas particularidades.

Para a psicóloga e pesquisadora associada ao Projad, Viviane Tinoco, é necessário compreender as individualidades de cada usuário para traçar as melhores estratégias de tratamento.

“A situação de crise desses usuários de drogas é muito complexa e multifacetada. Para prover um atendimento que seja eficiente, é preciso compreender o indivíduo em toda a sua complexidade. Isso significa levar em consideração não só a substância psicoativa, mas também o sujeito e seu contexto sociocultural”, explicou Viviane.

O que ainda pode ser feito

Ainda há muito o que fazer para a melhoria desses serviços. “Há barreiras, como o preconceito por parte dos profissionais de saúde em relação aos pacientes usuários de crack, que dificultam o acesso dessas pessoas a esses serviços”, salientou a pesquisadora.

“Embora as diretrizes do SUS para as políticas públicas de saúde mental sejam orientadas para o campo da atenção psicossocial, ainda é preciso ampliar o acesso aos serviços sociais e de saúde de acordo com a densidade demográfica das cidades, além de aprimorar a qualidade desse acesso”, completou Viviane.