Produzida pela Coordenadoria de Comunicação (CoordCOM) da UFRJ, a série Pessoas da UFRJ mostra, a partir de relatos pessoais, histórias marcantes de pessoas que fazem e fizeram a história da Universidade. Confira abaixo o depoimento da professora aposentada Izabel Maior.xa0
Meu nome é Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior, sou professora aposentada da UFRJ e me formei na primeira turma de Medicina da Cidade Universitária. Em 1976, passei a ser uma pessoa com deficiência. Eu tinha 22 anos e estava no quarto ano da faculdade. Na exploração cirúrgica, após suspeita de tumor medular, houve um grande insucesso, que originou a lesão motora. No dia seguinte, acordei tetraplégica.
Esse foi um dilema com o qual tive de conviver: um erro médico numa pessoa que estava fazendo Medicina. Minha família e Claudio, meu namorado e colega de turma, foram essenciais para que meus sonhos se mantivessem.
Acabo de completar 63 anos. Entramos na Universidade em 1973, quando foi inaugurado o Centro de Ciências da Saúde, e nos formamos em 1978, ano de inauguração do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF).
Não pensei em abandonar o curso, pelo contrário, voltar para a faculdade foi uma motivação. O fato de ser muito envolvida com a Universidade ajudou bastante. A UFRJ foi uma escola para mim em todos os sentidos. Fazendo as provas de forma oral, terminei o oitavo período ainda internada no Centro de Reabilitação (ABBR), onde tive vivências incríveis, que depois me ajudaram a pensar em políticas públicas. Voltei a andar com a ajuda de uma bengala.
Rapidamente, mudei de aluna e paciente para médica residente. Comecei a participar do movimento de pessoas com deficiência, que estava surgindo naquela ocasião, ganhando mais densidade e mais possibilidade de atuação a partir de 1981, definido pela ONU como o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência. Na época, não havia nenhuma lei sobre pessoas com deficiência no Brasil. Assim, contribuí para o texto da Constituição Brasileira de 1988.
Retornei à UFRJ e terminei o mestrado em Medicina Física e Reabilitação, em 1987. Minha tese acabou virando um livro, muito celebrado na ocasião, porque tratei de um tema que era tabu na época: a reabilitação sexual de pessoas com deficiência. Era um livro técnico, mas, como a literatura da época era paupérrima, acabou sendo aproveitado e lido por pessoas com deficiência.
Todos, homens ou mulheres, enfrentam a questão emocional, que é saber como você vai lidar com seu corpo numa situação em que o aspecto atrativo tem muita importância. E, se ela não se compreender numa nova imagem, que imagem ela vai passar? A imagem da inatividade, da incapacidade ou, ao contrário, a da diferença e capacidade?
Ingressei como professora auxiliar do Departamento de Clínica Médica em 1984. Fiz parte da equipe e chefiei o Serviço de Medicina e Reabilitação do HU. Em 1997, após um tombo, voltei a usar cadeira de rodas, em definitivo. Então parei de clinicar. Poderia ter continuado na Universidade em atividades de gestão, mas naquele momento não seria o melhor para mim. Em Brasília, assumi o cargo de Coordenação de Projetos de Atenção à Pessoa com Deficiência, no âmbito da Assistência Social e, em seguida, estive no Ministério da Saúde.
Em 2002, fui convidada para assumir a Coordenação da Política de Inclusão da Pessoa com Deficiência, a qual foi elevada à Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Assim, fui a primeira pessoa com deficiência nesse cargo e, a partir de então, essa é uma posição ocupada por gestores com deficiência.
Atualmente, sou membro do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, no Rio de Janeiro. Nosso papel é o controle social das ações do governo. Além disso, como professora aposentada da UFRJ, fui convidada para participar do Fórum Permanente UFRJ Acessível e Inclusiva, lançado em 2016.
A ideia é de que o Fórum não só congregue todas as pessoas que têm interesse na área, como também fomente a cultura de inclusão. A UFRJ sempre desenvolveu muitas ações com cientistas e especialistas na área de tecnologia inclusiva. Por exemplo, o Índice de Funcionalidade Brasileiro, usado pelo governo para avaliar a aposentadoria especial de segurados com deficiência, foi desenvolvido por pesquisadores da Faculdade de Medicina.
O Brasil está no meio do caminho para a inclusão das pessoas com deficiência. Tem tudo, mas não para todos. Temos uma boa política, uma boa legislação, muita coisa já saiu do papel. Escrever é muito fácil, mas botar em prática não é tão fácil assim quando se trata de mudar atitudes da sociedade. Existe discriminação nas pequenas coisas, na tentativa matemática de colocar as pessoas todas iguais. Por isso que às vezes dá tudo errado, inclusive na escola. As pessoas não são iguais. A diferença faz parte da diversidade humana. Algumas pessoas têm mais habilidade para desenvolver atividades motoras, outras mais intelectuais, e existem as situações mais extremas em que as pessoas precisarão de apoio para tudo, mas não quer dizer que elas não tenham autonomia, que não pensem por elas mesmas, que não saibam fazer as suas escolhas.
Nós temos agora um número de pessoas com deficiência com grau universitário bem maior. Nos últimos dez anos, triplicou. Para mim isso é o fermento ideal porque agora não tem como dizer que não é possível. Precisamos avançar. Você tem de fazer e é o que está sendo feito.
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