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Desmonte da saúde afetará trabalho de futuros profissionais

Estudantes da área da saúde têm um motivo a mais para se preocupar com o futuro, além das condições precárias de trabalho que já existem no mercado: os planos do governo Temer para a saúde no Brasil.

Eles incluem a redução do número de profissionais médicos nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), a diminuição do número de bolsas para programas de Residência Médica e a criação de um plano de saúde popular para aliviar gastos com o SUS.

O governo segue tomando decisões que têm gerado incômodo, pois indicam falta de disposição em melhorar os serviços já existentes e apontam para o rumo contrário: a precarização do serviço de saúde oferecido à população.

Setor privado valoriza produtividade

Lígia Bahia, médica e professora do curso de Medicina da UFRJ, frisa que a redução do sistema público prejudica as possibilidades de inserção no mercado de trabalho dos recém-formados na área da saúde, favorecendo o setor privado, que se caracteriza por pagar a seus funcionários de acordo com critérios de produtividade.

“Restará um mercado de trabalho desfavorável para pessoas que são muito estudiosas e se habituaram aos critérios de mérito. Vão encontrar um mercado totalmente avesso”, prevê a pesquisadora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc) da UFRJ.

Imagem de Lígia Bahia, médica e professora do curso de Medicina da UFRJ.
Lígia Bahia, médica e professora do curso de Medicina da UFRJ. Foto: Marco Fernandes

Coerente com o projeto de reduzir o atendimento no setor público, o Ministério da Saúde defende a criação de uma espécie de plano de saúde com custos menores, numa tentativa de aliviar os gastos do governo com o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

A proposta, segundo o ministro Ricardo Barros, é oferecer planos acessíveis à população para que mais pessoas possam contribuir com o financiamento da saúde no Brasil. A medida, no entanto, poderia levar a uma redução da importância do SUS e ao abandono da melhoria do serviço público.

A respeito do corte de bolsas para programas de residência médica, que pode precarizar a formação, Lígia menciona o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab) como alternativa à qualificação do médico após a graduação e que não sofreu cortes do governo. Nesse programa, o trabalho que os médicos exercem conta pontos para uma posterior residência, adiando a entrada no mercado de trabalho.

“Embora o governo não tenha feito cortes nesse programa em específico, reduzir vagas para residência é um erro porque o que vínhamos propondo é a universalização da residência, na qual todos tivessem vaga. Isso qualifica o médico, torna melhor a alocação dos recursos e melhora a distribuição por especialidade”, ressalta a docente.

“Desmonte afetará população”

Alunos como Milton Santos, do 8° período de Medicina, já demonstram receio quanto às condições que encontrarão no futuro.

“Essas questões me preocupam não só enquanto graduando de Medicina, mas enquanto futuro profissional que luta por uma saúde pública de qualidade”, diz o estudante.

Milton acredita que as medidas sejam como um “desmonte estratégico de um setor de saúde que seja, de fato, universal” e tenham grande potencial de afetar a população mais pobre, a mais necessitada do Sistema Único de Saúde (SUS).

Imagem de Milton Santos, aluno do 8° período de Medicina.
Milton Santos, aluno do 8° período de Medicina. Foto: Diogo Vasconcellos (Coordcom / UFRJ)

Já para Maria de Lourdes, que também é professora do Iesc/UFRJ, há pouca valorização do trabalho humano nesse campo e é preciso “organizar e preparar a carreira do profissional de saúde com uma progressão e estabilidade”.

A professora critica a tendência dos últimos anos de terceirizar a saúde, por meio de contratos com Organizações Sociais de Saúde (OSS). “Existe uma crise. Mas no campo da saúde nós prezamos fortalecer os serviços e não precarizar. Há uma tendência de terceirizar a saúde por meio de OSS e isso deve ser visto com atenção.”

Irregularidades nas OSS

O receio de Maria de Lourdes encontra fundamento, pois foi divulgado recentemente pela agência O Globo a realização de 16 auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas do Município para investigar irregularidades na administração das OSS.

Das dez organizações sociais que administram 108 das 248 unidades de saúde da prefeitura do Rio, oito estão sendo investigadas pelo Ministério Público em ações no Tribunal de Justiça do Rio por suspeitas de irregularidades. As denúncias vão desde o não fornecimento das condições adequadas aos pacientes, até casos de supostos desvios de recursos públicos.

Dentre as muitas preocupações, há uma em comum: a ideia de que se a saúde pública no país já é ruim, tende a piorar. As condições que essas medidas deixarão para os recém- formados em Medicina e outros cursos da área da saúde são de instabilidade e necessidade de resistência frente ao caos.

Imagem de Maria de Lourdes, professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ.
Maria de Lourdes, professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ. Foto: Diogo Vasconcellos (Coordcom / UFRJ)

Medidas estão relacionadas à PEC 55

Para Lígia Bahia, há uma correlação entre a aprovação da PEC 55, que congela os gastos sociais do governo por 20 anos, e as recentes decisões do governo para a saúde.

“A PEC 55 atinge todas as políticas sociais e isso está relacionado à redução do número de médicos nas UPAs e à redução do número de bolsas de residência médica. Num momento em que a população brasileira envelhece e aumenta o número de doenças crônicas, é como se o governo estivesse de costas para as necessidades de saúde da população”, explica.

Lígia ressalta também que, embora a população possa não fazer uma relação causal entre o número de médicos insuficientes nas UPAs e a PEC 55, para os profissionais da saúde essa preocupação é evidente e alarmante.

“A medida vai causar uma revolta imensa na população, porque o atendimento já é um problema. Vai ser o caos. Não está se medindo a importância que a saúde tem para a paz social. Ela tem sido apontada como o principal problema em todas as pesquisas de opinião. Então, retirar investimentos dessa área é fazer política na contramão do que tem sido apontado nas pesquisas”, diz.

Na pesquisa de opinião feita pela Datafolha em dezembro de 2016, 62% dos 2.828 entrevistados acreditam que a PEC 55 trará mais prejuízos do que benefícios para os brasileiros.

Ao serem questionados sobre os recursos disponíveis para os serviços públicos, 78% avaliaram que as verbas para a saúde são insuficientes. Quanto às expectativas dos efeitos da PEC 55, 50% esperam por uma piora, enquanto 25% creem que ficará igual e 16% que irá melhorar.

MEC reduz bolsas de residência médica. Leia mais.

Em ofício enviado aos coordenadores das comissões de residência médica das universidades, o Ministério da Educação (MEC) justifica o não financiamento de novas bolsas com o argumento de “corte orçamentário”.

No documento assinado pelo diretor de Desenvolvimento da Educação em Saúde do MEC, Dioclécio Campos Júnior, foi mencionado que “será mantido apenas o quantitativo de bolsas financiadas em 2016”.

Segundo a assessoria do ministério, foram 12.544 bolsas concedidas em 2016. Para este ano serão 12.900, “com um inexpressivo acréscimo em relação ao ano anterior”.

Em nota, o MEC destacou que paga apenas parte das bolsas referentes à residência médica no país e que cabe a outras instituições o financiamento de programas semelhantes, como o Ministério da Saúde, hospitais e secretarias de Saúde.

Médicos nas UPAs cairão de 4 para 2. Veja aqui.

Foi anunciado no dia 29/12/2016 pelo Ministério da Saúde que as regras para o funcionamento das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) seriam flexibilizadas. Com isso, cada unidade poderá ter no mínimo dois médicos. O exigido anteriormente era o mínimo de quatro médicos por unidade.

Caberá ao gestor municipal definir o número de profissionais necessários na equipe para que, a partir disso, seja estabelecido o valor de custeio a ser repassado.

Uma UPA com dois profissionais, por exemplo, receberá um incentivo financeiro de R$ 50 mil, enquanto uma com nove receberá R$ 250 mil – o que significa uma alta redução proporcional de recursos para unidades que precisam de mais médicos.