No dia 20 de setembro, ocorreu no salão do Conselho Universitário (Consuni) o lançamento do Fórum Permanente UFRJ Acessível e Inclusiva. A iniciativa foi pensada como uma instância consultiva, ligada à Reitoria da Universidade, para garantir maior reflexão por parte da comunidade universitária a respeito da temática de inclusão e acessibilidade da pessoa com deficiência.
O Fórum leva em consideração o compromisso da UFRJ com a afirmação dos direitos humanos das pessoas com deficiência e com a necessidade de incluí-las nos espaços universitários e erradicar definitivamente a discriminação.
“Sabemos o quanto tem sido difícil lutar e conseguir conquistas importantes no que diz respeito à plena incorporação nesse espaço de criação humana dos nossos estudantes, técnicos-administrativos e professores que possuem algum tipo de deficiência. Nosso espaço não foi planejado para inserção plena desses colegas. Precisamos avançar muito nessas frentes”, declarou Roberto Leher, reitor da UFRJ, em sua fala inicial no lançamento do Fórum.
O reitor também manifestou uma enorme expectativa sobre o trabalho de reflexão que o evento proporcionará a respeito dos nossos valores e da nossa pedagogia: “É importante que harmonizemos as nossas normas internas às diversas formas e expressões da nossa humanidade”.
Ações isoladas ganharão mais eficácia
Coordenadora do curso de especialização em Acessibilidade Cultural da UFRJ, Patrícia Dorneles disse que o Fórum possibilitará a aglutinação de iniciativas, projetos e ações que se desenvolvem em diferentes setores da Universidade. Alguns cursos da UFRJ já trabalham com a temática da deficiência dentro das salas de aula, em áreas como educação, saúde e linguagem das artes.
“Se fizermos um levantamento, veremos que existem inúmeras pesquisas a respeito do assunto. E muitos profissionais já atuam na perspectiva de olhar para a pessoa com deficiência e promover qualidade de vida, instrumentos de auxílio e conceitos de cidadania e inclusão”, destacou Patrícia, que também é professora do curso de Terapia Ocupacional.
Entre as grandes iniciativas da Universidade, destacam-se, por exemplo, o Laboratório de Tecnologia Assistiva (LabAssistiva) e o trabalho desenvolvido pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) na área de inclusão e capacitação para a geração de renda.
“O que sinto falta é justamente da efetivação de ações conjuntas e da criação de programas e projetos inter e multidisciplinares que possibilitem uma qualidade e eficácia maiores dessas iniciativas”, continuou a professora.
A falta de acessibilidade para pessoas com deficiência é, em termos de escala e relevância, um dos principais problemas sociais do país, de acordo com Patrícia Dorneles. “Mesmo diante desse contexto, o assunto não recebe a atenção necessária e devida. A iniciativa da Universidade busca justamente, em um plano mais restrito, mudar essa realidade”, elogiou.
O Fórum pretende também participar de redes e fóruns internacionais, objetivando ampliar as possibilidades de captação de recursos para projetos em acessibilidade na Universidade, além de fomentar iniciativas voltadas para o fortalecimento da articulação entre o ensino, a extensão e a pesquisa nessa área.
Direito de ir e vir comprometido em várias áreas
Segundo Vânia Mefano, professora da Faculdade de Medicina (FM) da UFRJ e mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a principal dificuldade das pessoas com deficiência é a inclusão.
“Não existe um único problema essencialmente. A adversidade está na educação, na saúde, no transporte, na cultura, nas habitações, no esporte e lazer. Todas essas estruturas estão aquém da expectativa de garantia plena do ir e vir das pessoas com deficiência”, disse Vânia.
Esses são problemas mais amplos, mas todos, de certa forma, convergem para a questão da inclusão, que esbarra tanto na estrutura quanto na cultura da sociedade, segundo análise da docente. “O que as pessoas entendem ou trazem culturamente a respeito do lugar do deficiente dentro da sociedade? Iniciativas como o Fórum dentro de instituições federais como a UFRJ são passos extremamente importantes”, sublinhou.
O legado paraolímpico
Para Vânia, a atenção que a temática ganhou no país devido à realização dos Jogos Paraolímpicos, em setembro, foi essencial.
“Para quem trabalha com essa causa, o apelo e a importância que o assunto ganhou na mídia no contexto das Paraolimpíadas são maravilhosos. As pessoas se sensibilizaram com a luta e pararam para admirar a emoção e superação dos atletas. Criou-se ali certa empatia, uma consciência maior por parte da população. E isso é importantíssimo“, frisou.
Na opinião da professora, se não há empatia, não se busca entender a necessidade do outro: “É daí que nasce o preconceito, o receio pelo que é diferente. Uma coisa é intrinsecamente ligada à outra”.
Quando se fala de acessibilidade, muitas pessoas instantaneamente pensam em rampas; no entanto, a questão vai muito além disso. “As Paraolimpíadas mostraram que existem inúmeros tipos de deficiência”, afirmou Vânia, que também é terapeuta ocupacional especializada em Psicomotricidade, Psicopedagogia e Método Neuroevolutivo.
Além dos aspectos culturais, ela ainda ressaltou a importância dos Jogos Paraolímpicos no aumento da infraestrutura de acessibilidade. “Tivemos que fazer muito para receber as Paraolimpíadas. Avançamos, sim, isso é indiscutível. Até mesmo porque a pressão internacional era muito grande. Mas, apesar de tudo que foi feito, o Brasil ainda está muito aquém do ideal”, completou.
Acessibilidade cultural: faltam políticas públicas. Leia mais.
Com o Brasil como sede dos Jogos Paraolímpicos, cresceu no Rio de Janeiro o número de debates e discussões sobre o tema “acessibilidade”.
O Encontro Nacional de Acessibilidade Cultural (Enac), uma das atividades do curso de especialização em Acessibilidade Cultural da UFRJ, do qual Patrícia Dorneles é coordenadora, teve a quarta edição este ano na cidade carioca, e foi aberto poucos dias antes do início dos Jogos. Entre os dias 1º e 10 de setembro, a iniciativa foi responsável pela promoção de seminários, oficinas e rodas de conversa sobre a produção cultural acessível para público, artistas e agentes culturais com deficiência.
“O Enac foi muito bacana, atingiu cerca de 600 pessoas nesta edição. E cumpriu muito bem seu papel de trazer uma agenda à cidade do Rio de Janeiro. Foram dez dias nos quais uma temática tão importante como a acessibilidade ganhou certa visibilidade e um espaço para discussão”, lembrou Patrícia, que coordenou o evento.
O curso de especialização em Acessibilidade Cultural, responsável pela realização do Enac, foi criado em 2010, com a proposta principal de sensibilizar gestores públicos da área de cultura para a implementação de políticas de acessibilidade cultural. Segundo Patrícia, o Brasil tem uma legislação extremamente vasta, que garante o direito da pessoa com deficiência nessa área, como artista e também como consumidora de produtos culturais.
“Todas essas questões já foram pautadas, mas ainda estamos em dívida no âmbito de desenvolvimento de políticas culturais que atendam pessoas com deficiência. Foi para tentar suprir essa lacuna que foi criado o curso de especialização em Acessibilidade Cultural”, concluiu Patrícia.