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Rede Zika da UFRJ: verão e falta de investimento em saúde preocupam mais do que Olimpíadas

A realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, em agosto, despertou a preocupação das autoridades públicas para a necessidade de investimentos em áreas como mobilidade urbana e segurança. Mais recentemente, a saúde virou alvo de atenção especial devido ao risco das doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti – zika, dengue, chikungunya e febre amarela – e à possibilidade de contaminação de turistas e atletas durante o período da Olimpíada.

A correlação do vírus Zika com doenças neurológicas e de má formação congênita contribuiu para que países de todo o mundo entrassem em estado de alerta. Em fevereiro deste ano, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de emergência internacional em saúde pública, em razão do aumento significativo da infecção do vírus em humanos, registrado em diversas regiões do planeta.

Pesquisadores de pelo menos 15 países chegaram a solicitar ao Comitê Olímpico Internacional (COI) e à Organização Mundial da Saúde (OMS) o adiamento ou a transferência do local dos Jogos, alegando risco à saúde pública devido à presença do vírus Zika no Brasil. A proposta foi recusada pelas duas organizações.

“Não havia sustentação para adiar as Olimpíadas”

Com o quadro de risco que se instalou no país, a comunidade científica brasileira vem correndo contra o tempo para compreender melhor o vírus Zika, em especial, e elaborar ações de combate.

Atenta à urgência da situação, a UFRJ lançou, em março, a Rede Zika Paulo de Góes, com o objetivo de articular pesquisadores de diferentes unidades de ensino da Universidade e assim compartilhar conhecimentos sobre a doença e produzir respostas efetivas à sociedade.

Amilcar Tanuri
Amilcar Tanuri, chefe do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ.

Para os pesquisadores da Rede, a proposta de cancelar ou adiar as Olimpíadas no Rio era infundada. “O vírus já se espalhou pelo mundo inteiro. Não será o evento que o tornará epidêmico, pois epidêmico já está”, observa Amilcar Tanuri, chefe do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ.

O diretor da Faculdade de Medicina, Roberto Medronho, afirma que não havia nenhuma sustentação do ponto de vista epidemiológico para o adiamento. Segundo ele, as características do vírus tornam pequenas as chances de se contrair a doença em agosto, o mês das Olimpíadas.

Rodrigo Brindeiro, professor do Instituto de Biologia, com especialidade em virologia molecular, explica que o inverno faz diminuir a circulação de forma endêmica da zika e chikungunya no estado do Rio de Janeiro. “Provenientes do Aedes aegypti, são arboviroses [doenças transmitidas por insetos] sazonais, típicas do verão. Logo, o número de diagnósticos de infectados cai durante as estações frias. O que nos preocupa não é a Olimpíada, mas a chegada do verão e a falta de investimento tanto na área de saúde quanto na área de ciência, tecnologia e educação”, diz.

Rodrigo Brindeiro
Rodrigo Brindeiro, professor do Instituto de Biologia

Zika se disseminou entre humanos a partir de 1966

Febre, dor nas articulações, erupções e olhos vermelhos. Esses são os sintomas mais comuns da doença que, até a década de 1950, só era encontrada em primatas silvestres da Floresta Zika, em Uganda. Entre 1951 e 2013, a doença foi identificada em seis países da África, seis da Ásia e dois da Oceania.

Segunda o portal do Ministério da Saúde, as evidências sorológicas em humanos indicam que o vírus tenha se disseminado a partir de 1966 para o continente asiático. Nas Américas, foi identificado em território chileno no início de 2014.

Para Roberto Medronho, a transmissão em humanos de doenças provocadas por mosquitos que até então contaminavam apenas os animais é uma resposta ao “modelo de desenvolvimento predador que temos, de devastar as florestas e provocar graves problemas ambientais”. Os mosquitos que antes viviam no ciclo silvestre, diz, tiveram o seu ciclo alterado e invadiram o espaço urbano.

Medronho aponta, também, que a comunidade científica falhou ao não dar a devida atenção quando o vírus foi identificado há 65 anos em zonas pobres do continente asiático e em países em desenvolvimento da África. “Há certa predileção ao investimento em pesquisa e soluções efetivas quando uma doença atinge países mais desenvolvidos e importantes economicamente, que possam contribuir para a indústria farmacêutica”, observa.

Roberto Medronho
Roberto Medronho, diretor da Faculdade de Medicina

Porém, o surto recente da doença foi uma surpresa para os pesquisadores. Tanuri afirma: “Esse vírus é uma demonstração de que nos tempos modernos, de transporte aéreo e grandes eventos, onde há grande circulação de pessoas de diferentes nacionalidades, uma epidemia pode chegar sem previsão alguma”.

Vírus pode ter entrado no Brasil em 2013

Ainda não se sabe com certeza como o Zika chegou ao Brasil. Uma das hipóteses mais populares é a de que o vírus teria entrado no Brasil durante a Copa do Mundo, em 2014. Porém, ela foi descartada em um estudo feito por cientistas brasileiros e britânicos publicado na revista científica Science, que sugere a chegada do vírus entre maio e dezembro de 2013. A hipótese em estudo é a de que a participação do Taiti, que fica na Polinésia Francesa, região afetada pelo vírus naquela época, na Copa das Confederações de 2013 ocorrida no Brasil, tenha introduzido o Zika no país. Contudo, o mosquito Aedes aegypt já está no país desde o final do século XIX. Originário do Egito, na África, ele é transmissor da dengue, zika, chikungunya e febre amarela.

Para o virologista Rodrigo Brindeiro, a falta de maior investimento na área de sanitarismo e de saúde pública é um dos fatores para o perpetuamento do mosquito no Brasil. “A falta do controle de um único mosquito fez com que novas doenças entrassem no país, algumas muito graves, como a microcefalia, provocada pelo vírus Zika. Nada garante que esse número não possa aumentar, pois sabemos que esse mosquito é capaz de carregar muitos outros vírus causadores de graves infecções”, diz.

Ações da Rede Zika incluem desenvolvimento de vacina em parceria com Fiocruz

Frente a todos esses problemas, a Rede Zika Vírus Paulo de Góes busca compreender melhor o vírus e contribuir com respostas à sociedade e alternativas de prevenção e combate a ele. Segundo Rodrigo Brindeiro, as últimas ações da Rede têm sido a formação de subgrupos de pesquisa, a imediata ida a campo e a interação com a Fundação Oswaldo Cruz para melhor compreensão da patologia da doença e a produção de uma vacina.

“Estamos em atividade com o Bio-Manguinhos, da Fiocruz, para o desenvolvimento de uma vacina para o vírus. Além disso, o Max Planck Institute, na Alemanha, vem trabalhando conosco para o desenvolvimento de uma outra possível vacina, com a indústria privada, como o Cristália, um laboratório nacional farmacêutico e farmoquímico, responsável pelo desenvolvimento de novas drogas e prospecção de novos fármacos para o Zika e outras arboviroses.”

A rede de pesquisa da UFRJ também está atuando de modo integrado com as fundações de saúde da Paraíba e de Pernambuco para o recebimento das amostras mais graves da microcefalia provocada pelo Zika no Nordeste e avaliação do desenvolvimento virológico da doença.