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Pesquisadores descobrem possível variante do coronavírus em MG

Parceria entre UFRJ, UFMG, IHP e Prefeitura de Belo Horizonte sequenciou dois novos genomas com 18 mutações ainda não descritas

No momento mais crítico da pandemia no Brasil, uma pesquisa realizada com 85 amostras de pacientes infectados pelo coronavírus em Belo Horizonte (BH) trouxe uma notícia surpreendente: uma nova variante pode ter surgido na cidade. Além disso, os pesquisadores encontraram outras sete variantes distintas em circulação, com predominância da P.2 e P.1, oriundas do Rio de Janeiro e de Manaus, respectivamente.

A descoberta é fruto de uma parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Instituto Hermes Pardini (IHP), a Prefeitura de Belo Horizonte e o Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ. A iniciativa, parte da Rede Corona-Ômica BR-MCTI, investigou amostras clínicas coletadas na região metropolitana de BH e identificou dois genomas com 18 mutações nunca descritas anteriormente.

Carolina Voloch, professora do Instituto de Biologia e uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo, conta que, embora as amostras tenham indicado a presença de genomas com mutações ainda não estudadas, não é possível afirmar que já se trata de uma variante – pelo menos por enquanto. Antes de ser oficializada como uma nova cepa, mais testagens precisam ser feitas em um número maior de indivíduos. Esses estudos já estão em andamento e devem ser finalizados em breve, para, então, serem submetidos à instituição responsável pela definição. Mas, de qualquer forma, a descoberta liga um alerta para a população.

Os dois novos genomas com as mutações inéditas estão em amostras coletadas em 27 e 28 de fevereiro de 2021 e não há evidências de ligação epidemiológica entre eles – ou seja, as amostras foram coletadas em locais diferentes da cidade e os pacientes não tinham relação direta. O estudo genético que demonstrou o conjunto único de mutações indica que a possível variante pode ter origem a partir da cepa B.1.1.28, que circulou no início da pandemia em BH.

Essa possível variante apresenta mutações em diversas partes do material genético, com algumas localizadas diretamente na região da espícula viral (“spike”, em inglês, ou apenas “S”), incluindo alterações em comum com as linhagens P.1, P.2, B.1.1.7 e B.1.1.351. Voloch explica que, entre o grupo de mutações encontradas, chamam atenção aquelas que estão em regiões já descritas em outras cepas – como a E484 e a N501, envolvidas no aumento da transmissibilidade e escape imunológico. No entanto, a pesquisadora ressalta que ainda não há dados suficientes para certificar que essa possível variante tenha, de fato, maior letalidade ou transmissibilidade.

“Essas mutações podem indicar, sim, uma convergência evolutiva, mas ainda faltam estudos sobre seu potencial para o vírus. É importante destacar que algumas mutações são compartilhadas com cepas distintas, enquanto outras ocupam microrregiões específicas. A pesquisa mostra que essas regiões realmente devem ser muito importantes e adaptativas para o vírus”, explica.

Uma nova variante não é a única preocupação

Mutações em vírus são comuns e até mesmo já esperadas pelos pesquisadores. O estudo mostra, no entanto, uma quantidade relevante de variantes circulando ao mesmo tempo. Apenas no Brasil, atual epicentro da pandemia, já foi confirmado o surgimento de duas linhagens – no Amazonas (P.1) e no Rio de Janeiro (P.2) –, e outras continuam em investigação.

Dados disponibilizados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indicam que mais de 90 variantes circulam atualmente no país. A pesquisa realizada em Minas Gerais encontrou sete delas entre as 85 amostras, além da possível nova variante – que, caso se confirme, poderá ser a P.4. Os resultados foram os seguintes:

  • P.2 (41 amostras; 48,23%)
  • P.1 (30 amostras; 35,29%)
  • B.1.1.28 (8 amostras; 9,41%)
  • B.1.1.7 (3 amostras; 3,53%)
  • B.1.1.143 (1 amostra; 1,17%)
  • B.1.235 (1 amostra; 1,17%)
  •  B.1.1.94 (1 amostra; 1,17%)

Na amostragem, 48,23% do material era da variante P.2 e 35,29% da P.1. Foram analisadas ainda outras amostras de variantes de preocupação, como a surgida no Reino Unido (B.1.1.7), mas em menor proporção.

Os pesquisadores responsáveis pela descoberta defendem uma vigilância genômica mais constante, com aumento da testagem na região metropolitana de BH e em todo estado de Minas Gerais. O grupo alerta também para a necessidade de estabelecer medidas de isolamento social a fim de reduzir da circulação do vírus, diminuindo a possibilidade de mutações e o surgimento de novas variantes, além de uma vacinação mais célere, valorizando o Sistema Único de Saúde e o Plano Nacional de Imunização.

“A testagem e o sequenciamento são importantes, pois garantem que conheçamos a diversidade dos vírus em circulação. E, ao longo do tempo, conhecer a diversidade é fundamental justamente para que seja possível traçar estratégias de atualização da vacina, entender como o vírus está se espalhando, em quais as regiões o isolamento é mais necessário, entender a biologia do vírus, entre outras coisas. O Brasil testa muito pouco e sequencia ainda menos”, conclui Voloch.