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SUS, um sistema universal que tem cor e raça

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Criado em 1988, como consequência da promulgação da Constituição Federal, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem como princípios básicos a universalização, a equidade e a integralidade na prestação dos serviços de atendimento à população. No entanto, como retrato da sociedade brasileira, um dado se destaca e mostra a realidade racial do país: dos 150 milhões de usuários que dependem exclusivamente do SUS, 67% são pessoas negras. 

Desde vacinação e distribuição de camisinhas em postos de saúde até transfusões de sangue em hemocentros ou entrega de medicamentos em grandes hospitais, o SUS está presente na vida dos brasileiros de diversas maneiras diariamente. E não existe outro país no mundo que faça isso de forma gratuita e universal. Proporcionalmente ao tamanho do Brasil, tudo no SUS é grande: tem os maiores programas de vacinação gratuita, de transplante de órgãos e de distribuição de medicamentos para AIDS do mundo. Se formos falar de números, podemos nos perder neles: são em torno de R$ 270 bilhões investidos por ano.

 E, ainda assim, muitas vezes não é suficiente. Em um país de dimensões continentais e com alto número de pessoas em situação de vulnerabilidade, como a população negra, há muitas vezes falhas e faltas que associam ao SUS uma imagem de ineficácia. No entanto, apesar dessas imperfeições, para cerca de 100 milhões de pessoas a ausência desse sistema seria catastrófica, um problema imensurável. 

Por esses e outros motivos, quando o governo federal publicou, em 27/10, um decreto que trata da possibilidade de conceder a porta de entrada do SUS à iniciativa privada, houve grande movimento contrário oriundo de profissionais da saúde e da população em geral. As Unidades Básicas de Saúde (UBSs), objeto principal da norma, são os postos onde se avalia a necessidade de encaminhamento do paciente para outros serviços, como emergências e hospitais. Porém, 80% dos problemas de saúde da população são resolvidos ali mesmo. 

Para Mariana Ferreira, médica especializada em Ginecologia e Obstetrícia que atende tanto na rede pública quanto na privada, a população negra seria a mais atingida por essas mudanças, principalmente por compor a maior fatia dos pacientes do sistema. “Em curto prazo a gente não ia ter atendimentos muito importantes do dia a dia, como, por exemplo, pacientes com hipertensão, diabetes, pré-natal. Em longo prazo, acredito que seria uma coisa devastadora perto de tudo que conseguimos evoluir em termos de programas de prevenção. Nós iríamos perder tudo”, alerta ela.

Formada em Medicina pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) há 11 anos, Mariana conta que desde a formatura trabalha no SUS. Atuando também na rede privada, ela consegue observar e comparar as duas vivências, identificando disparidades entre as mulheres que atende. Segundo a médica, na rede pública ela observa com muita frequência pacientes que não conseguem seguir as recomendações médicas em virtude da própria realidade: trabalho, filhos etc. Além disso, há problemas de autoestima e dificuldades em priorizar a própria saúde. Ainda assim, Mariana acredita que a existência do SUS e a presença da equipe fazem diferença na vida dessas mulheres, ressaltando a relevância de uma rede integrada quando há o apoio do Serviço Social e da Psicologia durante o tratamento das pacientes, por exemplo. 

Mariana está sentada e aparece sorrindo para a foto.
A médica Mariana Ferreira trabalha no SUS há 11 anos. Foto: Arquuivo Pessoal

Saúde da população negra e racismo institucional 

Em cartilha lançada em 2018, o Ministério da Saúde reconhece a vulnerabilidade e a iniquidade às quais a população negra está exposta e enumera alguns indicadores que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra busca equilibrar. Fala-se, por exemplo, da precocidade dos óbitos, das altas taxas de mortalidade materna e infantil, bem como da maior incidência de doenças crônicas e infecciosas. Como combate a essas mazelas, a cartilha destaca que a principal forma de reversão desses dados é a garantia do acesso à saúde para essa população. 

Instituída em 2009 por meio da Portaria nº 992, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra tem como objetivo promover a saúde dessa população, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS. Para isso, parte do reconhecimento do racismo institucional a fim de implementar processos para combatê-lo: um primeiro passo para as mudanças necessárias. 

Para Mariana, ainda é possível enxergar muitos problemas dentro do próprio SUS e da saúde por serem espaços racistas. “Mas, se a gente for considerar que a população negra é o maior percentual de pessoas que vivem em situação de pobreza e que têm menos acesso ao sistema de saúde mínimo, talvez seria uma coisa absurda se a gente não pudesse contar com o SUS. A maioria dos usuários do SUS é de pessoas negras. Seria uma coisa muito triste”, finaliza.