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Meio Ambiente

Crônica de uma crise anunciada

Desmatamento pode causar grandes prejuízos econômicos ao Brasil

O desmatamento na Amazônia, que, em agosto deste ano, atingiu uma área de 1.499 km², próxima ao tamanho da cidade de São Paulo, segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), poderá causar enormes prejuízos econômicos ao Brasil.

Em artigo publicado na revista Nature Climate Change, em 2018, professores e pesquisadores do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) já sinalizavam que o cenário de fraca governança poderia levar o Brasil a prejuízo financeiro significativo, estimado em cinco trilhões de dólares nas próximas três décadas. Entre os fatores desencadeadores, destacaram o descontrole do desmatamento e o incentivo à agropecuária predatória.

No estudo, os pesquisadores definiram três cenários de governança ambiental ─ fraco, intermediário e forte, e estimaram o custo para a economia brasileira em cada um deles, tendo em vista que o Brasil ainda teria que cumprir compromissos climáticos. O estudo foi realizado pelos pesquisadores Roberto Schaeffer, André Lucena, Alexandre Szklo e Pedro Rochedo, da UFRJ, e por Alexandre Koberle (hoje no Imperial College, em Londres) e Regis Rathmann, com estudiosos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Brasília (UnB).

A fraca governança brasileira em políticas ambientais tem potencial para degolar economia do país | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

“Comparando os valores, estamos acelerando em direção ao cenário de governança fraca”, afirmou Rochedo. “Esse é o custo em um cenário em que o Brasil ainda mantém seu compromisso climático. Ou seja, não está incluído o custo dos impactos econômicos das mudanças climáticas em si (eventos extremos, ondas de calor, perdas de produtividade, doenças etc.)”, antecipou o professor.

O cálculo adotado pelos pesquisadores levou em conta o que chamam de “orçamento de carbono”. Segundo esse orçamento, o Brasil teria direito a emitir cerca de 24Gt (24 bilhões de toneladas) de gás carbônico de 2010 a 2050.

“A gente chegou a esse custo de cinco trilhões de dólares tendo por base o preço de carbono médio da literatura (atualmente, cada tonelada de CO2 é precificada entre 10 e 20 dólares, e a projeção é que o preço da tonelada chegue a 370 dólares em 2050). Uma espécie de multa ou compra de certificados para compensar o excesso de emissões. Quando se excede esse orçamento de carbono, o país paga para que outra nação faça o que ele não fez, seja por meio de uma troca de certificados ou por meio de outro mecanismo. É o mercado de carbono”, explica o pesquisador.
 

Ao fundo, um pouco de esperança: acuada, uma floresta remanescente | Foto: Artur Moês (Biocenas/Uerj), em Comodoro (MT)

Retrocesso também nas relações internacionais

Em junho de 2020, um grupo de investidores internacionais enviou uma carta aberta a embaixadas brasileiras em oito países (Estados Unidos, Japão, Noruega, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, França e Holanda) manifestando preocupação com o aumento do desmatamento no Brasil. Entre os signatários, que em conjunto administram US$ 3,75 trilhões em ativos, estão integrantes da Iniciativa de Investidores por Florestas Sustentáveis e a rede Princípios para o Investimento Responsável.

“É com grande preocupação que observamos a tendência de crescimento do desmatamento no Brasil. (…) Estamos preocupados com o impacto financeiro que o desmatamento e a violação dos direitos de povos indígenas podem ter sobre nossos clientes e companhias investidas, por potencialmente elevarem os riscos de reputação, operacional e regulatório”, escreveram os gestores.

De acordo com o Imazon, o mês de agosto de 2020 foi o pior em 10 anos de monitoramento da Amazônia, com os alertas de desmatamento superando em 68% os registros para o mesmo período do ano passado.

No Centro-Oeste do país, a situação também é grave. O número de focos de incêndio registrado nesse Pantanal entre janeiro e agosto deste ano equivale a tudo o que queimou no bioma nos seis anos anteriores, de 2014 a 2019, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Os dados revelam que, entre janeiro e agosto, foram registrados pelos satélites do Inpe um total de 10.153 focos de incêndio no Pantanal. O número deste ano é três vezes superior aos 3.165 focos de incêndio verificados entre janeiro e agosto de 2019. Em relação aos 603 focos confirmados em 2018, o cenário deste ano representa uma alta de 1.700%.

Segundo a professora Suzana Kahn, vice-diretora da Coppe/UFRJ, a política ambiental atual é um retrocesso, não apenas por si só, como também para as relações internacionais e o desenvolvimento econômico do país.

Suzana Kahn é vice-diretora da Coppe/UFRJ | Foto: Reprodução/Fundo Verde UFRJ

“Ainda que não se goste de floresta, não se ligue para índios ou se ache que aquecimento global é coisa de comunista, o que se está atacando é nossa chance de estarmos inseridos em uma economia global”, criticou.

“Além da questão climática, há a biodiversidade, que é um ativo econômico enorme. É a riqueza de uma economia moderna, é como se no passado virássemos as costas para os campos de petróleo. Para que essa riqueza esteja disponível, a floresta precisa estar de pé”, concluiu a professora, que também preside o Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.