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Cotas na pesquisa enriquecem tradicional reduto acadêmico

Ações afirmativas não se restringem mais à graduação. Após reunião, no dia 16/12/2016, o Conselho de Ensino Para Graduados (Cepg) da UFRJ declarou-se oficialmente favorável à adoção de ações afirmativas também na pós-graduação.

A decisão foi praticamente unânime, com apenas uma abstenção. Embora alguns cursos já adotassem a prática, o posicionamento do Cepg deve fortalecer a implantação das cotas na pós-graduação da Universidade.

20% de vagas serão de cotistas

A pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa, Leila Rodrigues, esclareceu que os cursos não irão adotar obrigatoriamente as cotas em seus programas.

“O conselho não produziu uma resolução, apenas orientou a adoção das ações afirmativas. Nossa preocupação está em respeitar as especificidades e autonomias de cada programa”, frisou.

Conforme mostra o quadro, elaborado pela PR-2, a maioria dos programas promete destinar 20% do total de vagas para cotistas nos processos seletivos tanto para Mestrado como para Doutorado. Serão contemplados candidatos negros, indígenas, mulheres e transgêneros autodeclarados.

A importância das ações afirmativas na pós-graduação vai além da simples inclusão. O fim do predomínio do tipo masculino, branco e heterossexual dentro dos programas de pós-graduação muda o próprio ensino.

Para Leila, o ingresso de pessoas de diferentes realidades sociais permite não só combater o racismo e a discriminação por gênero ou sexualidade, mas abre novas possibilidades para o ensino acadêmico.

“A partir da troca, as fórmulas prontas que estão presentes na academia são reavaliadas, assim como a ética profissional. Uma vez que os personagens-alvos das mais frequentes chacotas estão presentes em sala de aula, há pouco espaço para que falem banalidades”, destacou.

Inclusão e gesto político

Para Rafael Haddock-Lobo, coordenador do programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPGF) da UFRJ, a adoção de cotas na pós-graduação é uma demanda tripla: dos alunos, da sociedade e da própria Universidade.

Em primeiro lugar, dá uma resposta aos alunos que conseguiram terminar a graduação e possuem demandas específicas. Em segundo, mostra à sociedade que a UFRJ é inclusiva e que o ingresso de pessoas com diferentes perfis sociais contribui para a excelência acadêmica.

E, por último, ele ressaltou a importância de o posicionamento de uma das maiores universidades do país não se esquivar de enfrentar a questão das políticas afirmativas. “Não se trata de uma justiça social, mas de um gesto político.”

Haddock-Lobo explicou que o PPGF/UFRJ adotou as cotas já no processo seletivo deste ano, antes mesmo da decisão do Cepg, para as turmas que iniciarão em 2018. Serão 20% das vagas totais para negros, indígenas e para transexuais autodeclarados.

Como fica a prova de línguas?

O coordenador chama atenção para a necessidade de se pensar em outras questões além da adoção de cotas. Por exemplo, na distribuição social de bolsas.

Ele explicou que no programa de pós-graduação em Filosofia haverá uma triagem para saber quem necessita de bolsa, avaliada por mérito, mas não exclusivamente por esse sistema.

Imagem de Rafael Haddock-Lobo, coordenador do programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFRJ.
Rafael Haddock-Lobo, coordenador do programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFRJ. Foto: arquivo pessoal

Outra discussão feita na Filosofia foi a respeito da reprovação na prova de línguas. “Não adiantaria nada implementar as cotas, se o aluno vai ser reprovado na prova de línguas, que é um marcador social”, disse.

A proposta do coordenador é que os alunos reprovados sejam priorizados nas vagas do Organon, projeto de ensino de línguas oferecido pelo PPGF/UFRJ.

Além disso, Haddock-Lobo defendeu a necessidade de as linhas de pesquisa atenderem aos diferentes interesses dos alunos, como temas relacionados à correlação entre gênero e cultura e ao pensamento filosófico africano.

Um dos grandes argumentos contra a cota é que a Filosofia não tem muita procura. Mas, rebateu o professor, se existirem nas universidades grupos feministas mais fortalecidos, isso vai atrair o público feminino. E prosseguiu:

“Se tiver pessoas que trabalham com filosofia africana ou com teoria queer (que afirma que a orientação sexual e a identidade sexual ou de gênero dos indivíduos são o resultado de um constructo social), projetos com essas temáticas serão atraídos. Então a ideia é casar a cota com a abertura de espaço para pesquisa em novos projetos também”, assinalou.

A experiência das cotas na Antropologia

Outro programa de pós-graduação que já adotava as cotas antes mesmo da decisão do Cepg é o de Antropologia Social.

Conforme explicou Marcio Goldman, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional/UFRJ, a primeira proposta foi elaborada por um coletivo de alunos e apresentada à coordenação do programa ainda em 2007, mas somente em 2012 foi aprovada pelo colegiado.

Imagem de Marcio Goldman, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ.
Marcio Goldman, professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ. Foto: Nodal Univesidad

“Como a primeira seleção com cotas foi efetuada em 2013 e o curso se iniciou em 2014, ainda não houve tempo para que nenhum estudante concluísse o Doutorado. Mas, no caso do Mestrado, dois estudantes já terminaram e hoje fazem Doutorado e três defenderão suas dissertações em fevereiro. Antes do sistema ter sido implantado, dois estudantes indígenas fizeram o Mestrado e um o Doutorado”, contou Goldman.

Agora, com a possibilidade de novos programas de pós-graduação adotarem políticas de ações afirmativas, a pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa prometeu acompanhar de perto os cursos que fizerem tal opção.

“Esse acompanhamento buscará apoiar os programas no que se refere a recursos materiais a serem aplicados, ao aprimoramento das condições gerais do programa e das ações afirmativas”, completou Leila.