O seminário Criminalização da Pobreza e Movimentos Sociais, organizado pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFRJ, teve início no dia 31/10, na Praia Vermelha.

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Memória

CFCH reúne professores e lideranças comunitárias em debate sobre criminalização da pobreza

O seminário Criminalização da Pobreza e Movimentos Sociais, organizado pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFRJ, teve início no dia 31/10, na Praia Vermelha.

O seminário Criminalização da Pobreza e Movimentos Sociais, organizado pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFRJ, teve início no dia 31/10, no Auditório Professor Manoel Maurício de Albuquerque, no campus universitário da Praia Vermelha. As mesas de abertura foram compostas por professores e representantes de movimentos sociais, que debateram sobre os atores sociais envolvidos, causas históricas e consequências nos dias de hoje.

Theotônio dos Santos, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), apontou o capitalismo como um sistema intrinsecamente explorador. “A exploração se organiza de maneira sutil e é parte de toda a estrutura do sistema. Nos Estados Unidos, há mais prisioneiros negros do que havia escravos. Isso não é um sintoma de atraso, mas é, sim, uma questão intrínseca do regime capitalista”, afirmou. Ainda de acordo com o docente, a violência contra as camadas populares é a maneira de garantir a desigualdade social. “A concentração de poder gera violência. É preciso gastar um grande aparato de segurança para garantir e perpetuar a manutenção dessa ordem”, completou.

Economista político, professor aposentado do Instituto de Economia (IE), ex-reitor da UFRJ, e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), Carlos Lessa traçou um minucioso histórico acerca da formação socioeconômica do Rio de Janeiro, desde os tempos da escravidão, para explicar a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais atuais. Segundo o docente, formou-se na cidade um enorme contingente de homens pobres e livres, que eram perseguidos pelas forças policiais desde os tempos do Império Português, empenhadas em perseguir, prender e punir escravos e, posteriormente, a população de baixa renda. “A violência policial era uma marca do Rio de Janeiro do século XIX. Criou-se o crime de vadiagem, que enquadrava aqueles que não trabalhavam e concedia ao poder policial a prerrogativa de julgar. O direito de ir e vir, em voga em Portugal desde o século XV, só foi efetivamente garantido no Brasil pela Constituição de 1988, mas mesmo assim, até hoje, não é de fato aplicado a todos. A população de baixa renda não está integrada aos benefícios das forças produtivas. Ela sobrevive com uma criatividade espantosa, na base do ‘se vira, malandro’”, analisou.

Direitos civis para todos

Lessa também abordou a questão das atuais manifestações. “O Brasil está sendo preparado para um estado de sítio, com vistas aos megaeventos internacionais. E os mascarados, bem ou mal, estão servindo como pretexto para a violência policial. Os mascarados têm que tirar as máscaras! Eu estive no protesto contra o leilão de Libra e me manifestei de cara limpa”, relatou. De acordo com o professor, é preciso iniciar uma campanha pela ampliação dos direitos civis. “Quando o sistema de repressão atua, os reprimidos reagem e, assim, cria-se uma dialética entre repressão e defensividade. Cada vez mais, os direitos civis estão sendo cerceados. Vejam o que está acontecendo com os fumantes (cita a proibição do fumo em ambientes fechados). Sou amplamente favorável à legalização das drogas, um problema que cabe ao indivíduo e não a uma questão policial. A criminalização da pobreza só acabará quando os direitos civis forem ampliados à totalidade da população”, defendeu.

Na segunda mesa do dia, o professor Mauro Iasi, da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, rebateu o argumento de que “estado de exceção”, com a afirmação que “o Estado, chamado de Direito, já é fundado nessa ordem”, qual seja, “a coerção e o consenso”, de acordo com a perspectiva gramsciana.  “Consenso é a cidade ‘organizadinha’ do capital. O que ela faz com as pessoas pobres e feias? Manda embora no final do expediente, de ônibus, de preferência para um lugar bem longe. Àqueles que desobedecem a essa ordem, a resposta é a punição”, reflete.

Sobre as manifestações populares recentes, o docente afirmou que se trata “apenas de uma lente de aumento visibilizando o procedimento padrão da Polícia no cotidiano. O Estado tem a necessidade de manter este aparato policial, pois precisa prestar contas aos investidores internacionais dos megaeventos esportivos em curso no país. Por isso, uma série de leis está sendo implementada, visando reprimir esses protestos. Entre elas, o ressurgimento da draconiana Lei de Segurança Nacional e a contratação de ‘assessores internacionais’ para conter as manifestações. O Estado burguês da ordem capitalista utiliza todos os instrumentos para manter esta ordem social. E a força é parte fundamental dessa estratégia”, completou.

Projeto de cidade

André Constantine, morador do Morro da Babilônia e integrante do movimento “Favela não se cala”, fez a fala mais contundente do dia. O ativista reivindicou a vanguarda dos protestos nas ruas para os moradores das favelas. “A favela cansou de ser massa de manobra. Quem tem que falar da favela é o favelado. Nós não queremos ser a cereja do bolo, queremos ser o fermento. Estamos fartos de organizações sociais que realizam movimentos nas favelas e usam os moradores apenas para se legitimarem. O que está acontecendo é a entrada do capital nas comunidades e as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) são protagonistas nesse processo. Elas (as UPPs) não são uma política de Segurança Pública, são um componente fundamental de um projeto de cidade para os próximos anos. Mas há outros em jogo. Organizações como a Igreja Protestante e ONGs atuam no sentido de desmobilizar os moradores. Hoje, o morador das favelas não deixou de estar subordinado ao tráfico. Ele agora está subordinado a dois fuzis: o do tráfico e da Polícia, e ambos obedecem ao mesmo patrão: o capital”, analisou.

Por fim, Deley de Acari, também do “Favela não se cala”, defendeu o debate acerca da questão de gênero e raça nas favelas como forma de abordagem do tema da criminalização da pobreza. “Enquanto vivermos em uma sociedade patriarcal, machista, racista e homofóbica, não resolveremos essa questão”, afirmou. Assim como Constantine, o ativista reafirmou o argumento das UPPs como “porta de entrada para o capital nas favelas”, lembrando casos de ex-lideranças comunitárias que hoje fazem parte de grupos empresariais com interesses comerciais em diversas favelas do Rio de Janeiro. Deley falou também sobre a questão da repressão nas manifestações populares. “É triste ver uma presidente, ex-presa política, ressuscitar a Lei de Segurança Nacional. Os manifestantes estão sendo encarcerados junto com presos comuns, pois o governo não admite a existência de presos políticos no país”, finalizou.