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Teatro e psiquiatria juntos em longa emocionante

No interior do Teatro Qorpo Santo, Aristóteles canta a música tema de He-Man em frente a um espelho iluminado. Quando acaba, logo dá início a outra canção, dessa vez, religiosa. Alguns minutos depois, ele aparece com trajes de rei, ao lado de uma mulher vestida Maria, a mãe de Jesus.

O Aristóteles em questão não é o famoso filósofo grego, mas um paciente do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Ipub). Ele e outras pessoas tratadas pelo Instituto fazem parte do longa-metragem “Corpo Santo”, produzido pelos artistas Maurício Dias e Walter Riedweg, no ano de 2011. O projeto, que resultou cerca de oitenta horas de gravação, baseou-se em oferecer oficinas teatrais aos pacientes, deixando com que eles escolhessem suas fantasias e interpretações livremente. “Tentamos criar um espaço de experimentação para eles, no qual pudessem realizar uma auto-reflexão”, explicou Maurício, em uma das exibições do filme que aconteceu no dia 23 de novembro, no Auditório Leme Lopes (Ipub).

Na ocasião, Aristóteles, que estava sentado na plateia, chorou copiosamente durante a exibição do filme. “Ele foi um dos participantes que atuou mais ativamente”, contou Maurício. “Quando as oficinas chegavam ao fim, ele fingia estar dormindo para não ter que sair do teatro”.

Durante os 40 minutos de duração do filme, assistimos a cenas variadas, com personagens distintos, que provocam desde olhos marejados a boas gargalhadas. No entanto, não há dúvida de que os participantes possuem temas preferidos, que surgem recorrentemente durante a exibição. A religião e o amor são abordados a todo o momento através de músicas, diálogos e declamações. 

Em uma determinada cena, uma senhora fala para a câmera sobre o amor incondicional que sente pela filha. Há tanta verdade em seus olhos e fala que fica difícil distinguir o real do fictício. Dúvidas como essa são suscitadas no espectador em vários momentos durante a exibição. “Nós tentamos marcar claramente a diferença entre o jogo e a vida real, já que essa dificuldade de se localizar no tempo, espaço e em si mesmo é talvez uma das questões principais enfrentadas por essas pessoas”, explicou Walter Riedweg. “Houve até um momento marcante em que uma das participantes alertou a outra dizendo: ‘Não esquece que é só teatro’ ”, conta.

O filme, que foi integrado à Coleção Prinzhorn, em Heidelberg, na Alemanha, também terá impacto em território nacional. “Essas oitenta horas são um material muito rico e vamos pensar em uma maneira de disponibilizá-lo para pesquisas aqui no Ipub”, afirmou Julio Verztman, psicanalista, psiquiatra e pesquisador do Instituto.

A conversa no Auditório Leme Lopes foi encerrada com uma reflexão. “Como até hoje se podem manter as questões abordadas pela Psiquiatria tão afastadas da sociedade, quando ela mesma enfrenta tais questões? Até onde podemos colocar redomas tão precisas para tratar desse tema?”, indagou Maurício Dias.