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Literatura e Saúde Mental em debate no Ipub-UFRJ

Na última quinta-feira (19/08), o "I Fórum de Interface entre Cultura e Saúde Mental" teve sua última mesa redonda na parte da tarde com o tema “Literatura e Saúde Mental”. Realizado pelo Instituto de Psiquiatria (Ipub), em conjunto com o Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ, o evento aconteceu no Auditório Leme Lopes.

Para compor a mesa, coordenada por Márcio Amaral, psiquiatra e vice-diretor do Ipub-UFRJ, estiveram presentes a antropóloga Ana Luiza Martins Costa, o jornalista Arnaldo Bloch, o escritor, dramaturgo e fundador da Companhia Ensaio Aberto, Luiz Fernando Lobo e Silvia Jardim, professora e psiquiatra do Ipub-UFRJ.

A “escrita sonora” de Guimarães Rosa

Ana Luiza Martins Costa analisou a obra do escritor Guimarães Rosa (1908-1967), a partir da linguagem e das personagens. “Os personagens falam línguas estranhas e são seres despossuídos da cultura. A escrita de Guimarães Rosa capta o que é difícil de ser apreendido, fazendo com frequência uso de conteúdos enigmáticos e obscuros”, analisou.

A antropóloga tomou como exemplo chefe Ezequiel, personagem do conto "Buriti", de Guimarães Rosa, publicado no livro Corpo de Baile. “Chefe Ezequiel sofre de ‘má insônia’, o que lhe confere uma excepcional sensibilidade acústica”, disse.  Segundo Costa, “a partir da leitura de alguns trechos, vemos que a linguagem empregada por Rosa é um imenso léxico sonoro, rica em iconismos fonológicos, onomatopéias inusitadas e neologismos, como uma sinfonia, buscando o limite da representação e esse quase puro significante”. A antropóloga concluiu que “tal capacidade de nomear as sensações faz o leitor se deparar não só com a ambiguidade das palavras, mas também do próprio mundo”.

Lima Barreto

O dramaturgo Luiz Fernando Lobo contou a influência que o escritor e jornalista Lima Barreto (1881-1922) exerceu em seu trabalho. O escritor carioca foi interno do Hospital Geral dos Alienados, atual Palácio Universitário da UFRJ. As experiências desse período foram narradas pelo próprio no livro Cemitério dos Vivos, espetáculo já dirigido por Luiz Fernando Lobo.

O diretor observou que a forma como a loucura é encarada pela sociedade se transforma com o tempo, e isso fica muito explícito na Literatura e em outras artes. “Em um primeiro momento, a loucura estava relacionada a uma forma privilegiada de conhecimento e sabedoria, o que vai diminuindo durante o Renascimento e quase desaparece na era burguesa do século XX”, analisou. De acordo com Lobo, “o drama burguês se fundamenta na experiência de linguagem intersubjetiva, e, assim, a loucura passa a ser encarada como patologia a ser evitada e segregada em manicômios. No mundo burguês, o desviante é o grande perigo e ameaça”.

O jornalista Arnaldo Bloch fomentou o debate declarando que “o delírio não é exclusivo do louco, mas faz parte da vida de todos nós. Todos temos um nível diferente de contato com a incoerência”. O jornalista, formado pela Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, citou o escritor e sociólogo Roland Barthes (1915-1980) ao dizer que “toda linguagem é fascista e opressora”. De acordo com Bloch, “a linguagem limita o repertório e as possibilidades de expressão, pois se trata de um sistema arbitrário de classificação e obriga o falante a determinadas construções. A maneira de vencer o fascismo da linguagem é por meio da Literatura”.

Silvia Jardim fez uma análise do romance A redoma de vidro, de Sylvia Plath, e enfatizou a importância do contato com a leitura. A docente ministra aulas práticas, cuja proposta é ler. “Uma leitura nunca se esgota e tentamos aproximar isso da proposta clínica”, observou. Além de A redoma, entre os livros trabalhados em aula pela professora estão O Cemitério dos Vivos, de Lima Barreto, O alienista, de Machado de Assis e Todos os cachorros são azuis, de Rodrigo de Souza Leão.