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UFRJ discute a ética de questões polêmicas

 Renato Janine, professor de Ética e Filosofia Política da USP, falou sobre a importância da ética na sociedade e como a descrença em torno dela se tornou comum em diversos países, em palestra realizada dia 15 de maio, no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ). O professor expôs alguns problemas relacionados ao tema, como aborto, eutanásia, células tronco embrionárias e atitudes políticas.

Como parte das comemorações pelos 45 anos da Coppe, o evento foi iniciado por Luiz Pinguelli, diretor da unidade. “Essa palestra tem uma importância ímpar, porque combinamos filosofia com engenharia”, disse Pinguelli.

Para abrir a discussão, o palestrante procurou na origem das palavras moral e ética, suas distinções. Enquanto a primeira vem do latim mores e significa costumes, a segunda pertence ao grego ethos e indica caráter. “A tendência é que pensemos na moral como um conjunto de regras a serem seguidas e em ética como uma escolha pessoal pela qual assumimos responsabilidade”, explicou o professor.

Após o advento da modernidade, houve uma mudança nos valores da sociedade. A ética se sobrepôs à moral, e a responsabilidade na escolha dos indivíduos se tornou mais urgente do que os costumes ou regras, embora elas ainda sejam cumpridas sob o risco que haver punição.

Segundo Renato Janine, a visão tradicional da ética em relação a questão ambiental, que vem sendo discutida nos últimos anos, coloca em discussão o direito de preservação, sempre alocados aos seres humanos. “Enquanto matamos animais que não nos fizeram nada, desenvolvemos um conceito contrário a pena de morte, preservando a vida de criminosos”, defendeu Janine.

Há ainda uma outra situação polêmica que mostra a falta de universalidade na ética, atualmente o principal problema nessa área, e que costuma gerar discussões intensas: o aborto. As posições contrárias a respeito do assunto já são conhecidas, no entanto, a maneira como se costuma reagir varia em cada cultura. Nos EUA, por exemplo, aqueles que são contra o aborto por considerá-lo forma de assassinato, apresentam reações mais extremistas como agressões aos médicos e destruição das clínicas, do que no Brasil.

A ética está ligada a um conjunto de valores que exigem renúncia a bens materiais, prestígio, entre outras coisas. Para Max Weber, sociólogo citado durante o evento, há uma separação entre cientista e político. No primeiro, o fundamental é a busca pela verdade, independente do que se faça para obtê-la, e isso acarreta, muitas vezes, em ser antiético. Para os políticos, o importante é a ação, o bem social, o que implica em uma ética diferente.
No Brasil, há uma valorização grande da questão ética na sociedade. Costuma-se relaciona-la com dignidade, como se a primeira fosse base da segunda, passando, sobretudo pela presença da honestidade ou da competência maior ou menor que os indivíduos têm em relação uns aos outros. Em termos políticos, o professor falou sobre o descrédito que se associa a eles. “Não se pode hoje falar em ética na política. Não porque não exista, mas porque não é comum”, falou o professor.

Segundo Renato Janine, o governo de FHC utilizou a lógica Weberiana, mas de forma errada, ao fazer a separação entre ética pública e privada. “A conseqüência disso é que se acaba por supor que apenas os políticos têm laços sociais, quando na verdade, os indivíduos particulares podem também possuí-los”, esclareceu.

Ao citar Maquiavel e sua célebre obra “O príncipe”, o palestrante fez uma comparação com o fato de, neste livro, não existirem regras que ao mesmo tempo protegem e limitam, com o mundo contemporâneo, onde apesar delas existirem, seu cumprimento deixou de ser sinônimo de sucesso. O autor defende uma ética pagã, das cidades, e que não se preocupa com o mundo religioso.

A corrupção, alvo de debates freqüentes, não é algo estritamente ligado ao Brasil. De acordo com o professor, a percepção em torno dela, que depende da agilidade do político e da capacidade de investigação da imprensa, se tornou mais aguda e por isso em alguns países ela se sobressai mais do que em outros.

Ao final do evento, o palestrante falou sobre a questão embrionária e se colocou contra a posição defendida pela Igreja Católica, de que o uso de células tronco estaria obstruindo a possibilidade de vida.

– A ética é um caldeirão carregado muito mais de questões do que de soluções, e que deve ser analisado com bastante cuidado – concluiu Renato Janine.