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A vida não é conto de fadas. Lula seria mesmo um operário que virou presidente, o “sapo barbudo” virou príncipe? Confira nosso editorial e leia também os artigos do reitor publicados pelos maiores jornais do estado.
http://oglobo.globo.com/especiais/eleicoes2002/45720829.htm
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernos/lula_presidente/2002/10/27/jorlup20021027008.html

Seis de outubro, Ilha do Fundão, três da tarde. A Assessoria de Comunicação e Impressos da reitoria se desdobra para atender aos repórteres que perguntavam sobre o “operário que chegou a presidente”. O que Lula tinha diferente, o que o tornou capaz de converter sua dolorida trajetória em sucessão de conquistas? Os repórteres queriam a opinião de Carlos Lessa sobre o homem pobre que poderia levar a faixa presidencial para casa ainda no primeiro turno.
Houve um segundo turno, no entanto. Nova chuva de pesquisas, novas especulações, mas uma arrancada inequívoca separava, a cada dia por mais pontos, Lula de seu adversário.
Cinelândia, Rio de Janeiro, noite do último domingo. Lula, eleito presidente do Brasil, ganhou de aniversário o país. E o país ganhou, de volta, esperança. Esperança para crescer, para ver a justiça social chegar para todos mesmo, para serenamente dizer-se nação ao resto do mundo, para dar tranqüilidade ao velho e ao moço, e um futuro de presente para os meninos. Saí de casa à noite, determinada a me encontrar com a história em praça pública.
Na Cinelândia, como no resto do Brasil e em vários lares brasileiros replicados mundo afora, embriagados de alegria e chorando de emoção alguns milhões de eleitores festejavam, com suas famílias, seus amigos, seus amores, o ponto alto da vida do tal “operário que virou presidente”. Ao vê-lo na tevê, lembrei-me de repente de quando, ainda no primeiro turno, os repórteres não entenderam bem quando o reitor disse que Lula não era isso.
As coisas não tinham esse sotaque de conto de fadas, de mudança da noite para o dia, como o sapo barbudo que virou príncipe. Lula era um operário que virara estadista. Mas eles ainda perguntaram a diferença.
O pensamento do velho professor Lessa expunha didático: Collor, com seu jet-ski, seus escândalos, seu passado, sua coisa roxa, sua vida nascida e crescida no meio de políticos, por exemplo, aprendeu como fazer para ser presidente. Fernando Henrique, com o real-fantasia e a imagem da mão com cinco dedos, foi duas vezes presidente, e por oito anos a política social e a sociedade do Brasil dormiram em berço nada esplêndido, como a princesa que espera o fim de um feitiço ruim para retomar o seu destino de felicidade. Mas Fernando Henrique era o príncipe com um pé na cozinha e a cabeça em Paris.
Já Lula… Bem, Lula, com seu trem lotado e sua barriga vazia, sua vida em barraco, sua luta à frente dos metalúrgicos, sua facilidade de fazer acordos e sua dificuldade de fazer concordância, sua determinação de entender e caminhar o Brasil, sua vida nascida e crescida no meio da política, aprendeu como fazer para ser estadista. E isso dá um enorme trabalho.
Lula, com a mão que a realidade redesenhou com quatro dedos, tem pela frente quatro anos de mais trabalho, e deixa para trás 500 anos de uma história que nós já nos cansamos um pouco de ouvir. E este cansaço todo faz com que desejemos ir dormir e, como por encanto, acordar num país já diferente, naquele Brasil sonhado, sabem? Claro que todo mundo sabe. Mas, como o velho professor disse, nada é de uma hora para outra, e não adianta fechar os olhos para as enormes distorções que nos condenam, hoje, a viver mal. Os anos de Lula serão anos difíceis, longe das maravilhosas possibilidades de ser conto de fadas. E ainda assim é maravilhoso saber que o ex-operário atende por excelentíssimo.
Agora é a hora de nos reconciliarmos com nosso destino de nação, com nossa responsabilidade para questionar, construir, colaborar; de nos reencontrarmos com vocação solar para um final mais feliz. Sem fantasia e, principalmente, sem medo.